Publicado em 6 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
Felipe Corazza
BBC News Brasil
Tensão, dúvidas e medo são as palavras escolhidas para caracterizar as relações entre militares e o poder político no Brasil recentemente por um dos maiores especialistas no assunto. Para o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, a decisão do Exército, anunciada na quinta-feira (03/05), de não punir o general da ativa Eduardo Pazuello por participação em ato político ao lado do presidente da República vai fazer crescer uma crise já instalada: o cisma entre o comando das tropas e aqueles que Carvalho classifica como “generais do presidente”, em referência aos que ocupam cargos no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
“Sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade”, diz, mencionando o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio.
Como o sr. caracterizaria a época recente do Brasil em termos da relação entre a caserna e a política?
Época de tensão, dúvidas e medo.
Como o sr. reagiu ao saber que o general Eduardo Pazuello não receberia qualquer punição por ter participado de um ato político mesmo sendo um militar da ativa?
Desapontamento e receio. O primeiro por ter acreditado na existência de generais de caráter capazes de resistir a pressões descabidas, mesmo que pelo pedido de demissão, como foi o caso do general (Edson) Pujol e de seus colegas da Marinha e da Aeronáutica. O segundo pelas consequências que poderão advir para a manutenção da disciplina no Exército.
O vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, havia declarado ele próprio que Pazuello deveria ser punido, sob risco de o contrário alimentar uma ‘anarquia’. Estamos, então, entrando no território da anarquia entre os militares?
É curioso que o general Mourão tenha sido punido duas vezes por ter feito declarações políticas. Prefiro a posição atual dele, ironicamente adotada depois de se ter feito político.
A decisão de não punir Pazuello vem sendo tratada por analistas ou até por outros militares como um ponto inédito no histórico das Forças Armadas. Há precedente?
Há o caso do coronel Jurandir Mamede, em 1955. Mas, antes de 1964, e até mesmo alguns anos depois, a indisciplina e a conspiração eram rotina nos quartéis. Uma das medidas dos golpistas de 64 foi punir e expurgar os inimigos e estabelecer um pensamento único nas Forças.
A gestão Bolsonaro é marcada, desde o início, por abrigar militares em cargos diversos. Com essa situação do general Pazuello, com o sr. avalia que deve ficar a relação entre o comando da ativa e os militares que ainda estão no governo?
Já há tensão entre os generais do presidente e os generais da tropa, e ela deverá aumentar. Pelas notícias divulgadas, sabe-se que os componentes do alto comando do Exército eram favoráveis a algum tipo de punição. O comandante os teria convencido a não punir. Imagino que com isso tenha perdido autoridade.
Analistas diversos apontaram que o presidente pode estar tentando criar uma situação de tensão para explorá-la em uma tentativa de levante com vistas à eleição de 2022. O sr. crê que isso seja possível ou viável?
Acho difícil. O perigo maior é que ele consiga mobilizar as polícias militares.
O Brasil de 1964 era um país muito diferente do atual em termos econômicos e nas relações internacionais. Uma suposta “aventura militar” hoje teria consequências distintas?
Em 64, dominava a Guerra Fria. Os golpistas tiveram forte apoio dos Estados Unidos. Hoje, isso não seria possível. No máximo, haveria alguns silêncios. O país se tornaria ainda mais pária.
Desde a redemocratização, os militares têm repetido o discurso da profissionalização para se afastar de questões políticas e recuperar o prestígio. Em qual grau isso fica comprometido após o atual governo?
Profissionalização significa dedicação total às tarefas militares. Ela avançou bastante nas últimas décadas na Marinha e na Aeronáutica. No Exército, avançou pouco e é ele que tem, por causa de sua presença no território nacional, capacidade de controlar o país. O direito de exercer um papel político está embutido nas convicções do Exército desde 1889.
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NOTA DA REDAÇÂO DO BLOG – Com todo respeito, o ilustre historiador parece exagerar quando considera que Mourão foi punido. Na primeira transgressão, em 2015, apenas trocou de cargo, mas foi mantido no Alto Comando, uma possibilidade impensável. Na segunda transgressão, em 2017, apenas passou para a reserva, não houve qualquer punição. (C.N.)