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quarta-feira, novembro 19, 2008

Cartas, grampos e o Barão de Jeremoabo

Enquanto a seca Brasília fervia no começo da semana, ao ser descoberta de repente como paraíso dos grampos e da arapongagem desenfreada, bateu uma vontade danada de reler "A Guerra do Fim do Mundo", do peruano Mario Vargas Llosa, que mistura personagens reais e fictícios na reconstituição do que o narrador chama de "mal-entendido nacional".
Imbatível romance sobre a revolta de Canudos, no fim do século XIX , quando a Bahia foi palco do conturbado e sangrento episódio histórico na transição do Brasil imperial para a nação republicana que entre recuos e solavancos comemora neste domingo mais um aniversário da sua independência.
Tenho especial predileção por este livro publicado em 1981, cuja ação transcorre em um dos territórios mágicos da minha adolescência e formação cultural. Além disso, repórter da sucursal do Jornal do Brasil em Salvador, na época, vi de perto a movimentação do grande escritor na incansável coleta de dados e relatos, com diferentes pontos de vista, para compor em obra literária singular, a saga de Antonio Conselheiro.
Ainda assim, sei que "idiotas da objetividade", como diria Nelson Rodrigues, perguntarão: que diabos têm a ver uma historia tão antiga, com o cismo que sacode o Planalto e volta a causar solavancos e calafrios, a partir da publicação pela revista "Veja" do diálogo grampeado do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres, do DEM?
Desconfio não ter a resposta esperada por muita gente. Mas asseguro: "Guerra do Fim do Mundo" é mais fundamental - e interessante - para se entender fatos, pensamentos e ações de figuras metidas neste escândalo da vez - incluindo um de seus personagens principais, o banqueiro Daniel Dantas, mergulhado nas sombras -, que boa parte do dito e escrito nestes últimos dias. Incluindo aí, as maçantes transmissões dos longos, hilários, e vazios depoimentos na CPI dos Grampos da Câmara, que em geral tem ajudado mais a confundir que a esclarecer qualquer coisa.

Vale recordar: as raízes deste "imbróglio" estão fincadas na Operação Satiagraha, por mais penduricalhos que se ponha em cima. Foi quando agentes da Polícia Federal - então sob o comando do delegado Protógenes Queiroz, e com autorizações legais expedidas pelo juiz De Sanctis -, entraram em um apartamento de Ipanema, no Rio de Janeiro, recolheram caixas de explosivos documentos escondidos em fundos falsos de armários embutidos e algemaram o dono do Grupo Opportunity, levando-o para a carceragem da PF, em São Paulo.
De volta ao começo, para não perder o fio da meada: um dos personagens centrais da guerra do beato Antônio Conselheiro é o político baiano e fazendeiro Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo. Monarquista, senhor de latifúndios e de pessoas, que durante décadas imperou na vastidão de terras e propriedades desde Alagoinhas, na entrada do Recôncavo Baiano, até Juazeiro, nas margens sertanejas do Rio São Francisco.
No livro de Llosa, Cícero Dantas, de quem DD vem a ser trineto, virou o Barão de Canabrava. Ganhou vestimentas românticas que servem ora para acentuar, ora para amenizar características de um personagem crucial desta novela fascinante, na qual personagens inventados - Maria Quadrado, o Leão de Natuba...- contracenam com vultos históricos, como o Barão e o Coronel de Exército, Moreira César. Pontifica também o idealista, Galileu Gall, e o jornalista míope "que resgata a experiência de Canudos, narrando-a".
Já nascido em berço de ouro, o Barão de Jeremoabo, além da política tinha outra marca: o gosto por escrever cartas. Entre os anos de 1873 e 1903, teria remetido 44.411 correspondências. "Meticuloso,tomava notas em seu caderno de todas as cartas enviadas, além de mortes, nascimentos e muitas outras informações com que se confrontasse", informa a Wilkpédia.
Muitas cartas enviadas se perderam. Mas restaram todas as correspondências recebidas pelo Barão de Jeremoabo e fotografias que vinham com estas, de personagens importantes da história do Brasil, de José de Alencar ao Barão de Rio Branco. Preciosa fonte de informações sobre períodos da história brasileira, como a guerra de Canudos.

Talvez esteja aí a chave de uma das passagens mais marcantes de "Guerra do Fim do Mundo", quando o matador Rufino, seguidor de Conselheiro e afilhado do Barão, dá o prazo de apenas um dia para Cícero Dantas Martins encaixotar os objetos que mais ele desejasse salvar, e abandonar com a baronesa e seus serviçais as terras e edificações de sua propriedade mais importante, antes de elas serem incendiadas, por ordem de Conselheiro.
No meio do desespero geral que toma conta do casarão, o Barão de Jeremoabo parece preocupado apenas em rasgar algumas cartas e documentos, e empacotar outros, antes de partir para Salvador para esperar a tempestade passar.
Repetem os "idiotas da objetividade": mas que diabo essa história do monarquista Barão de Jeremoabo, narrada por um peruano em "A Guerra do Fim do Mundo", tem a ver com o caso de seu republicano trineto, nesta era de arapongas e grampos eletrônicos que incendeiam Brasília? Provavelmente nada, ou provavelmente tudo! Vale a conferir.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitors.h@ig.com.br

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