Desaceleração é a fase mais crítica do processo: sem paraquedas ou escudo, naves contam apenas com retrofoguetes para evitar impacto em alta velocidade contra o solo lunar.
Por Júlia Putini
A engenharia espacial coleciona uma série de fracassos quando se trata de tentar fazer pousos de pequenas aeronaves na Lua. No final de abril, a sonda japonesa Hakuto-R tentou aterrissar na superfície lunar, mas o módulo perdeu a conexão com a Terra e se espatifou contra o solo durante a tentativa frustrada.
O professor de física e astronomia Flavio Alarsa explica que a alta velocidade envolvida e o fato de a Lua não ter atmosfera dificultam as missões.
"Naves estão sempre em torno de 20 mil quilômetros por hora, o que dá 8 km por segundo. É como ir da cidade de SP ao litoral em 9 segundos. Na Lua, tem que aterrissar na velocidade de 1 metro por segundo, mais do que isso espatifa a sonda", explica o professor.
Para aterrissar em corpos celestes que têm atmosfera, como Marte, as naves contam com três sistemas diferentes de freios. São eles:
Escudo térmico
Paraquedas
Retrofoguetes
Para "estacionar" na Lua, só é possível contar com os retrofoguetes. Entenda abaixo como funciona cada um desses itens.
1 - Escudo térmico
Como diz o nome, o escudo serve para proteger das altas temperaturas que são geradas por causa do atrito com a atmosfera, transformando a nave em uma grande bola de fogo. O escudo preserva os sensores da nave, que medem altitude e capturam outros dados. Fora, a temperatura pode atingir 2.000°C e dentro é de apenas 10°C.
De acordo com Alarsa, o atrito imposto pelo escudo consegue reduzir a velocidade em cerca de 5 a 10 mil quilômetros. Depois disso, ele é expelido pela nave e os demais sensores começam a funcionar.
2 - Paraquedas
Nesse segundo momento, um paraquedas é aberto para continuar amortecendo a velocidade da queda. No entanto, assim como o escudo térmico, ele só funciona quando há uma atmosfera (que é uma camada de gases que envolve planetas como a Terra e Marte).
3 - Retrofoguetes
Durante a etapa final, os sensores medem a distância e outras variáveis para, enfim, acionar os retrofoguetes e fazer a desaceleração final, que levará ao pouso.
Esse é o momento mais crítico. Especialmente porque os retrofoguetes são o único tipo de frenagem possível para pousar na Lua, o que exige enormes quantidades de combustível, que não é fácil de ser transportado. Se houver qualquer erro nessa etapa, a nave irá colidir e se quebrar.
Provavelmente é isso que aconteceu com a sonda japonesa. O chefe de tecnologia da empresa que comandou a missão disse que ela entrou em queda livre após ficar sem combustível para acionar os propulsores (mecanismos que ajudam a controlar a velocidade da aeronave).
"Isso cria uma instabilidade técnica. Supondo que há quatro foguetes na base da sonda, utilizados em toda descida, eles queimam muito combustível. E se um deles para de funcionar, já era, a nave fica instável", diz Alarsa.
Descida vertical
O professor também explica que, na Lua, os módulos precisam descer verticalmente, diferente dos aviões, por exemplo, que descem de maneira tangente e paralela nas pistas de pouso.
"Só que ele entra tangencial e vai ter que fazer uma curva para virar para baixo, algo muito delicado. Na missão Apollo essa curva chamava 'a curva da morte'. A nave vai chegando tangente porque ela fica orbitando e quando começa a descer vai fazendo uma curva e se virando", diz.
"E tudo isso pode dar certo e mesmo assim no final a nave pode bater numa pedra e estragar tudo", ressalta Alarsa.
Pé no freio e ângulo certo
Cassio Barbosa, astrônomo do centro universitário FEI, explica que isso acontece porque o pouso de voos espaciais são sempre momentos delicados.
"A desaceleração é a fase mais crítica porque ela vem muito rápida e ela não envolve apenas enfiar o pé no freio, tem um ângulo certo para fazer isso, para frear o suficiente para a órbita gravitacional da Lua capturar", afirma.
Ele complementa dizendo que isso não é uma característica exclusiva de pousos na Lua. "É que nem avião, os piores momentos são decolagem e pouso", diz.
Anteriormente, em 2019, duas outras missões também não obtiveram êxito. Foram elas:
Beresheet, de Israel, que se chocou contra a Lua após falhas nos motores. Foi a primeira missão espacial privada com o objetivo de pousar na Lua, organizada com supervisão da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa).
Chandrayaan-2, da Índia, perdeu contato com a Terra pouco antes do pouso. O objetivo da missão era obter mais informações sobre a composição mineral da Lua e sobre eventual presença de água no local (que foi confirmada em 2023, graças a uma missão chinesa que coletou esferas lunares de vidro em 2020).
Além disso, Cassio Barbosa credita as tentativas falhas ao fato de que, provavelmente, essas iniciativas de empresas privadas não se basearam em um plano espacial consistente.
'São iniciativas particulares que não tiveram ensaios de pouso em situações mais perto do real e com isso coisas falharam'. - Cassio Barbosa, astrônomo do centro universitário FEI
Ele também diz que quando a neve perde a comunicação, o único jeito de manter a missão em curso é quando há um sistema de navegação autônomo. Já quando o problema envolve falha de motores, não há nada que possa ser feito.
China: missão bem-sucedida
No final de 2018, a China lançou um módulo de exploração para levar um robô ao 'lado oculto' da Lua. Só é possível ver um único lado da Lua porque ela gira em torno de si mesma no mesmo ritmo em que gira em torno da Terra.
O módulo Chang'e-4 chegou do outro lado em janeiro de 2019. Até então, nenhuma sonda, nem qualquer módulo de exploração espacial havia pousado nessa face da superfície lunar.
"A China conseguiu de primeira fazer o pouso, inclusive do lado oculto da Lua", destaca Cassio.
G1