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Para cassar Dallagnol, o TSE teve de “interpretar” a lei
Deu na Folha
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou uma interpretação expansiva da Lei da Ficha Limpa para cassar o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). A legislação determina que integrantes do Ministério Público que pedem exoneração com PAD (processo administrativo disciplinar) pendente devem ser declarados inelegíveis. O ex-coordenador da Lava Jato, porém, não respondia a procedimentos dessa natureza quando se desligou da instituição, em 2021.
Os sete ministros da corte eleitoral entenderam que Deltan tentou fraudar a lei pelo fato de ter deixado o Ministério Público Federal quando respondia a queixas que, mais tarde, poderiam se transformar em processos administrativos punitivos.
“Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP em seu desfavor viessem a ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo”, disse o relator, ministro Benedito Gonçalves, na terça-feira (16).
PERPLEXIDADE – O ex-ministro Marco Aurélio Mello, que atuou no STF (Supremo Tribunal Federal) por 31 anos, afirmou à Folha que ficou “perplexo” com o entendimento adotado pelo TSE. “Foi uma interpretação à margem da ordem jurídica”. E prosseguiu: “Eu fiquei perplexo porque soube hoje vendo o noticiário que sequer PAD havia”.
A decisão do tribunal eleitoral foi unânime entre os sete integrantes e contou com apoio de três ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): Kassio Nunes Marques, Carlos Horbach e Sérgio Banhos. Nenhum deles apresentou voto em separado — eles acompanharam a posição do relator.
Nesta quarta (17), em pronunciamento ao lado de parlamentares como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Deltan disse que sua cassação representa “dia de festa para os corruptos e dia de festa para Lula”.
ALTÍSSIMA VELOCIDADE – A celeridade com que transcorreu a análise do processo na sessão do TSE surpreendeu servidores e ex-integrantes da corte.
Geralmente, em casos de grande repercussão, é comum haver debate sobre a situação em julgamento ou pedido de vista (mais tempo para analisar) de algum ministro. Na noite de terça, após a leitura da posição do relator contra Deltan, a votação dos demais seis ministros durou apenas um minuto e seis segundos.
Especialistas ouvidos pela Folha fazem críticas à Lei da Ficha Limpa ou à decisão do TSE, embora a maioria avalie que a interpretação adotada pela corte já tenha sido feita em outros julgamentos, não apenas no de Deltan.
LEI NÃO PREVÊ – Na avaliação do advogado e doutor em direito Marcelo Peregrino, a decisão do TSE viola a segurança jurídica. Ele discorda da argumentação feita pelo ministro relator de que haveria uma fraude à lei.
Para Peregrino, que é membro da Abradep, a decisão é extensiva porque cria uma hipótese de inelegibilidade que a lei não prevê. “É um atentado claro à segurança jurídica porque ele está sancionando um ato que era lícito”, diz. “Quando o Deltan pediu a exoneração o processo preliminar não tinha relevância jurídica, não era um ato ilícito.”
Ele considera que concordar com a decisão seria assumir que o tribunal poderia escolher qual seria o momento gerador da inelegibilidade.
AMPLIAÇÃO DA LEI – André Rosilho, professor de direito administrativo da FGV e advogado, também considera que a decisão faz uma ampliação da lei por meio de uma interpretação não literal, leitura que ele avalia como equivocada.
“[O ministro] leu na norma uma proibição que não está expressa lá”, diz. “A norma poderia ter dito isso, mas ela não disse. A proibição foi para um caso específico. Então por meio de interpretação o tribunal acabou alargando a hipótese de inelegibilidade.”
Volgane Carvalho, membro da coordenação acadêmica da Abradep e servidor da Justiça Eleitoral no Maranhão, considera que a decisão não representa um ponto fora da curva, que fuja da jurisprudência tradicional da corte, argumentando que o tribunal já aplica a questão da fraude à lei a outros casos.
RECORRER AO SUPREMO – A cassação só será revertida se Deltan recorrer ao Supremo e conseguir um despacho a seu favor. O único cenário minimamente otimista para o ex-procurador seria a distribuição do recurso a um ministro mais simpático à Lava Jato. No entanto, mesmo se isso ocorrer, posteriormente uma decisão individual teria de ser referendada pelo restante da corte.
Na avaliação de integrantes do STF, é pouco provável que Deltan consiga maioria no plenário em seu favor. Primeiro, porque ele já inicia o debate com três votos contrários, uma vez que a decisão do TSE foi unânime e os três integrantes do STF que compõem a corte eleitoral votaram contra ele.
Segundo, porque há uma corrente no Supremo que sempre foi crítica dos métodos adotados por Deltan quando ele era procurador da Lava Jato e que tende a trabalhar pela manutenção da perda de mandato do paranaense.
E A CÂMARA? – Assim, caso o Supremo não derrube a decisão do TSE nos próximos dias, caberá à Câmara apenas cumprir a ordem judicial e retirá-lo da Casa.
A regra atual determina que não cabe à Câmara análise de mérito da determinação do tribunal. Apesar disso, nessas situações o Legislativo costuma cumprir um rito formal e burocrático após ser notificado e abrir um prazo, geralmente de cinco dias, para o deputado se manifestar. Assim, não há previsão de votação no plenário ou algum tipo de votação sobre a decisão do TSE.
Aliados de Deltan cogitam até incluir uma anistia ao ex-procurador na PEC da Anistia, proposta de emenda à Constituição que promove o maior perdão da história a partidos políticos. No entanto, dificilmente ele terá força para isso.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Infelizmente, a matéria da Folha está equivocada, ao dizer que a Câmara nada pode fazer. A Constituição diz o contrário e exige que a cassação seja confirmada em plenário por maioria absoluta. A não ser que o Suprem também “adapte” o que determina a Constituição. Vamos aguardar. (C.N.)