Publicado em 8 de maio de 2023 por Tribuna da Internet
Duarte Bertolini
Logo que li o artigo da renomada cientista política Maria Hermínia Tavares (“No Hemisfério Norte, a esquerda é mais intelectualizada; no Hemisfério Sul, tudo se confunde”) pensei que alguma coisa parecia errada. O título estava correto, a identificação das mudanças de atitude e os problemas da esquerda também, mas a transposição para o Brasil tinha alguma coisa fora de lugar.
O comentarista Delcio Lima, com propriedade e conhecimento, apontou um caminho — a descaracterização da esquerda no Brasil e suas consequências.
ALTAR VIRGINAL – Não sei se acrescento algo de valor, pois não tenho compromisso ideológico de resgatar a esquerda pura, original e nossa salvadora.
Assim, ficaria apenas com a constatação de como a esquerda brasileira e todos seus apoiadores — da intelectualidade e de todas formas de mídia — procuram se manter em altar virginal, longe das contaminações e impurezas de outros movimentos esquerdistas, mesmo os existentes outros países.
Lula teve votos dos pobres, que foram decisivos para sua vitória sobre o fantasma de medievalização do Brasil, mas isto está longe da proclamada consciência de classe que incentivaria a lutas dos pobres e trabalhadores, tão cara e tão apregoada pela esquerda.
DOIS FATORES – Para mim, a volta de Lula passa muito mais por dois fatores. Um deles foi o susto dado pelo retrocesso absoluto trazido pelas práticas do tosco e seus seguidores, apesar do sucesso da pauta de costumes de “família”, tão defendida pelo falso mito e seus seguidores e reverberada pelas igrejas evangélicas defensoras da volta da antiguidade entre a população mais pobre.
Tudo isso deixou o temor de que alguma coisa de ruim iria nos acontecer com a continuação daquele líder de direita que demonstrava tamanho desprezo pela vida humana e pelos avanços da ciência.
Ora, se o grande líder não se preocupava com a vida humana diretamente, como se preocuparia, de fato, com as retrógradas interferências no cotidiano da sociedade?
ESMOLAS OFICIAIS – O segundo fator são as políticas de esmolas oficiais, que ao fim resultam em dependência e indolência de expressiva faixa populacional. Como e por que sair desta situação de esmola oficial se é muito difícil trabalhar por salários aviltados e receber de graça quase o mesmo? No final, não é muita vantagem trabalhar.
Esta situação decorre em grande parte de uma bem montada e azeitada máquina de manutenção da submissão popular aos favores oficiais. E antes que os batalhões moralistas, agora de esquerda, venham vociferar, por favor me expliquem aquela questão, pouquíssimo abordada, das titulações de terra feitas aos milhares por Bolsonaro?
Ora, o tosco direitista Bolsonaro foi muitíssimo mais eficiente neste particular. Em apenas quatro anos, distribuiu mais terras do que nos 14 anos do PT? Portanto, os sem-terra não estariam certos ao se revoltar contra o petismo? Quantos homens perdeu o exército do Stédile com essas penadas de Bozo?
ANÁLISE PERFEITA – Ou seja, o texto da cientista política Maria Hermínia Tavares está corretíssimo, ao mostrar as mudanças e os dilemas da esquerda, nos dois hemisférios.
No Brasil, porém, os sectários esquerdistas evitam fazer uma análise real do comportamento do petismo em nosso país. Ao invés de retomar a antiga “autocrítica” apregoada no início do PT, hoje preferem mostrar o partido lulista como intocável e cheio de virtudes que lhe permitiriam manter vivo o sonho do paraíso para todos.
Se até Lula está mudado e agora afirma que virou “um socialista refinado”, como não abordar o que significa esta brutal mudança no Brasil?