Por Mary Zaidan (foto)
Mesmo com exemplos de sobra – estatismo exacerbado, ojeriza à imprensa, obediência cega ao chefe, que sempre está acima de tudo e todos -, petistas e bolsonaristas viram bichos quando alguém aponta semelhanças entre eles. Na invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, as parecenças reavivaram-se.
Ainda que com argumentos diferentes, ambos evitaram condenar o ataque do neoczar russo. As notas do Itamaraty e do PT, igualmente muristas, poderiam ser assinadas por um ou outro sem mexer em uma única vírgula. Como o que importa não são os mortos e feridos de uma guerra absurda e sim a eleição que se aproxima, os dois lados correram para desautorizar declarações e rearranjar discursos.
Jair Bolsonaro puxou a orelha do seu vice, Hamilton Mourão, que, na primeira hora, condenou veementemente o ataque russo. E o PT de Lula fez com que o seu líder do Senado, Paulo Rocha (PA), retirasse do Twitter uma “nota oficial” em que condenava a política dos Estados Unidos “de agressão à Rússia e de contínua expansão da Otan em direção às fronteiras russas”, que ele chamou de “política belicosa”.
O escorregão de sincericídio dos senadores petistas foi substituído por um texto anódino pró-diálogo e em favor da paz – algo que ninguém em sã consciência criticaria -, assinado pela presidente da legenda, Gleisi Hoffmann. Lula, por sua vez, chegou a repudiar o ataque em entrevista a uma emissora de rádio. Mas recuou em falar mais sobre a invasão, visto que parte de sua militância é aderente ao discurso anti-EUA, o país-diabo para a esquerda do século passado.
Intelectualizada, a retórica petista busca justificativas à base de convenientes reinterpretações da História. Condena a opressão dos Estados Unidos a todos os povos, exalta os tempos de glória da União Soviética, sem considerar a matança política de Stalin. Alia-se às ditaduras da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba, destilando ódio às democracias ocidentais. Curiosamente, as mesmas que reverenciam Lula com tapete vermelho.
O raciocínio bolsonarista também é pra lá de tortuoso. O presidente não esconde a proximidade com a pauta conservadora de Putin, especialmente no que diz respeito aos costumes. Mas foi muito mais tímido do que o seu “irmão” ultradireitista Viktor Orbán, da Hungria, que condenou os ataques e abriu suas fronteiras para receber ucranianos.
Bolsonaro justifica sua neutralidade pela “dependência” que o Brasil tem hoje dos fertilizantes importados da Rússia e pela relação “extraordinária” com Putin, novamente confundindo o Brasil com suas simpatias pessoais. Nas redes, sua trupe mais aguerrida alia-se a Donald Trump, que, na tentativa de evidenciar uma alegada fragilidade do presidente Joe Biden, faz alegorias ao agressor russo.
O mais aflitivo para Bolsonaro deveria ser o mico de ter se solidarizado com Putin poucos dias antes da invasão, durante a visita um tanto fora de hora que fez ao líder russo. Impropriedade que se soma aos erros grotescos de sua inteligência militar, que falhou feio. Não viu riscos de guerra iminente, deixando mais de 500 brasileiros entre as bombas na Ucrânia, instruídos a não deixar o país no pré-conflito anunciado e agora sem guarita ou plano de retirada.
Ainda que possa ter reflexos na economia do país, a invasão russa está longe de influir na eleição brasileira de outubro. Mas ela escancara a admiração dos protagonistas mais bem posicionados nas pesquisas a líderes autocratas, que vilipendiam a democracia. É simples: ser neutro na guerra contra a Ucrânia é apoiar Putin. E didática: neutralidade entre agressor e vítima só existe na cabeça de covardes e oportunistas. Figurinos sob medida para Bolsonaro e Lula.
Jornal Metrópoles