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segunda-feira, fevereiro 28, 2022

O estranho caso da mãe que queria registrar os filhos com os nomes de Elegebetê e Queiamais…

Publicado em 28 de fevereiro de 2022 por Tribuna da Internet

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Charge do Duke (O Tempo)

Jorge Béja

É verdade que, ao longo de quatro décadas seguidas advogando sem parar, me tornei muito conhecido. Não, por méritos próprios, por talento, por sabedoria jurídica e, sim, pelas causas rumorosas que defendi e por outras inéditas.

Dentre as inéditas, a condenação do Estado, repetidas vezes, a indenizar a morte de detentos nos presídios, numa época da ditadura militar, na década de 70. Também as ações na Justiça de defesa do consumidor, quando nem se cogitava na criação de uma lei, de um código específico para a defesa de todos nós consumidores, e que só veio existir no início da década de 90.

JURUNA E DALAI LAMA – Entre as muitas inéditas, vou relatar apenas duas, a pedido do editor da Tribuna, jornalista Carlos Newton. Uma das mais rumorosas foi o habeas corpus que impetrei no extinto Tribunal Federal de Recursos (TRF).

Sozinho, por conta própria, fui a Brasília e defendi o direito do então cacique Mário Juruna – então tutelado pelo Estado Brasileiro – de ir participar do Tribunal Bertrand Russel, instalado em Roterdam, na Holanda, para debater a questão dos povos indígenas do mundo inteiro. O TRF concedeu a ordem e Juruna viajou.

Outra causa inédita foi outro habeas corpus, que dei entrada no Superior Tribunal de Justiça, em favor de Tenzin Guiatzu, o 14º Dalai Lama. Sem que ninguém me pedisse e sem medo de enfrentar o governo brasileiro que cedera à pressão da China, fui lá e o STJ ordenou que o governo brasileiro desse o visto de entrada no Brasil para que o líder tibetano e sua comitiva participassem da Eco-92. E todos viajaram para o Rio de Janeiro. A China tinha condicionado sua participação no evento desde que o Dalai Lama não estivesse presente.

UMA ESTRANHA QUESTÃO – Mas nunca poderia imaginar que aparecesse uma questão ainda mais inusitada. Agora, em 2022, exaurido de tanta dor que absorvi de causas indenizatórias que defendi (Bateau Mouche, 55 mortos, Chacina da Candelária, 11 meninos mortos, Queda do Elevado Paulo de Frontin, 29 mortos, Palace II de Sérgio Naya, Chacina de Vigário Geral….), uma jovem mãe foi me procurar no escritório, mas eu estava em casa.

De lá ela me telefonou e disse que seu avô falava muito bem de mim e que era meu fã. Que ele sempre me ouvia nos debates populares do programa Haroldo de Andrade, na Rádio Globo etc. E essa jovem mãe (23 anos) queria que a defendesse numa causa que, de pronto, entendi melindrosa, sutil, delicada.

Num longo telefonema, ela contou o motivo que a levou a procurar o meu escritório. Disse que, há quatro meses, teve gêmeos bivitelinos. E queria que eu entrasse na Justiça com uma ação contra o oficial do Registro Civil que negou registrar os recém-nascidos com os nomes que ela escolheu: Elegebetê para a menina, e Queiamais, para o menino.

COM BASE NA LEI – Disse a ela que, embora a questão fosse de ordem subjetiva, o oficial tinha o amparo legal para negar os registros.

Expliquei que a Lei 6.015, de 1973 (Lei dos Registros Públicos) diz que os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Está no artigo 55.

Se os pais querem chamar a criança de forma incomum, faz parte da função dos oficiais do cartório indagá-los sobre a origem e o significado do nome. Se os motivos não forem razoáveis, os oficiais podem negar o registro. Ela não aceitou minha explicação. Foi quando prossegui e dei exemplos.

NOMES INACEITÁVEIS – Disse a ela que PTB eram as letras iniciais de um partido político, o Partido Trabalhista Brasileiro. Que seria razoável que um oficial do Registro Civil recusasse fazer o assento de nascimento de uma criança com o nome Petebê. Que OSB eram as letras iniciais da Orquestra Sinfônica Brasileira e ainda da Ordem de São Bento, dos monges beneditinos. Eventual recusa de um oficial do Registro Civil em assentar como Oessebê o nome de uma criança também seria compreensível.

Disse-lhe, delicadamente, que os dois nomes que ela escolheu para os filhos não eram nomes próprios, nomes de pessoas humanas, mas junção de letras de uma sigla identificatória de grupos sociais. Ainda assim, não a convenci.

Minhas explicações, ainda que dadas com carinho e pausadamente, não foram aceitas. E a jovem me respondeu que iria procurar outro advogado ou mesmo a Defensoria Pública. Nos despedimos e desligamos o telefone, delicadamente. Nenhum de nós ficou aborrecido com o outro. Mas que este fato, inédito e surpreendente não me sai do pensamento, não sai mesmo.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – O jurista Jorge Béja me contou esse episódio e logo lhe sugeri que escrevesse um artigo. Béja se recusou, mas insisti, pedindo que aproveitasse e lembrasse outras causas estranhas que defendeu na Justiça, e ele então concordou. Agora, após ler o artigo, fiquei imaginando como o oficial do cartório reagiria se lhe fosse pedido o registro de um menino com nome de Efeagacê… (C.N.)

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