Villas-Bôas Corrêa, repórter político do JB
Coincidência, francamente não foi. A evidência que brilha como anúncio luminoso é que o Senado enfiou a carapuça até a ponta da orelha e tentou, em remendo apressado pelo vexame e o remorso, tampar o rombo escancarado pela degringolada ética que lançou o Legislativo na crise moral mais funda e dolorosa do que os apagões do negrume das ditaduras.
Nem seria necessário comprovar o que está claro como água potável. Esta semana, em decisão unânime, o Tribunal Superior Eleitoral estendeu aos eleitos por voto majoritário - presidente da República, governadores, prefeitos e senadores - a norma aprovada pelo Supremo Tribunal Federal de que o mandato pertence aos partidos e não ao eleito. E deu o primeiro empurrão na reforma política, promessa de campanha de todos os partidos, e que não andou um passo no Legislativo engasgado por escândalos, CPIs e mensalões, no sassarico da impunidade.
Pois não é que na quarta-feira, dia 13, sem aviso nem bulha, na mais dissimulada maciota, o Senado aprovou - e por unanimidade - a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece a fidelidade partidária pelo prazo de quatro anos do mandato de todos os premiados no Legislativo e até no Executivo. Se não fosse a azarada coincidência era o caso de soltar foguetes no festival de arrependimento parlamentar por tantos anos de abúlica indiferença, na orgia das mordomias, vantagens e regalias que compõem o buquê de um dos melhores empregos do mundo.
Em votação às carreiras, a renascida PEC de autoria do senador Marco Maciel foi aprovada pelos 56 senadores presentes no plenário, em primeiro turno, que emendou no segundo turno com 58 votos fechados a favor. Na disparada, seguiu para a Câmara. E se não perder o fôlego de maratonista, com duas aprovações pelos deputados poderá valer para as eleições municipais de 2008. Um espanto.
Bem, nem tudo são flores no ramalhete dos açodados representantes do povo. Pois a toga não pisou no freio e está decidida a continuar a limpeza que começou em hora abençoada. Em sessão prevista para a próxima semana, o TSE deve examinar e aprovar a resolução que dirimirá as dúvidas e fixará as normas para disciplinar o alcance, os prazos e demais questionamentos da decisão anterior que estendeu aos eleitos pelo voto majoritário a regra moralizadora.
A pressa, mesmo quando necessária, não costuma ser amiga da perfeição. No caso, deixou dúvidas que precisam ser resolvidas para evitar os embaraços do futuro. Nas coligações, por exemplo, o candidato a governador, prefeito e senador nem sempre é do mesmo partido do suplente. O ministro Marco Aurélio Mello, promete desatar os nós, inclusive quanto à validade retroativa a 27 de março da proibição do troca-troca de legenda dos deputados federais e estaduais e vereadores.
O sumário balanço da ousada iniciativa da toga, que inegavelmente atropela prerrogativas do Congresso, não promete engrossar num choque entre poderes e merece mais louvores do que reparos.
Como estava, não podia continuar. Durante mais de cinco meses, o Senado, com reflexos na Câmara, ocupou-se com o romance de folhetim do senador Renan Calheiros com a jornalista Mônica Veloso. A novela chegou ao último capítulo.
O presidente Lula pressiona o Congresso para aprovar a prorrogação da CPMF, angustiado pela urgência do prazo para garantir a arrecadação dos R$ 40 bilhões do imposto do cheque. Chega de fricotes. Vamos cuidar das coisas sérias.
Fonte: JB Online
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