Mauro Santayana
Os comentaristas internacionais deram pouca importância às recentes declarações do presidente Bush sobre Cuba, mas é necessário levá-las a sério. A aventura imperialista norte-americana iniciou-se com a intervenção em Cuba na guerra contra a Espanha, em 1898, movida pelo presidente MacKinley. Seu antecessor, Grover Cleveland, não obstante a pressão da imprensa para que interviesse no conflito, procurou evitar o envolvimento militar direto. Ele temia a sedução imperial e, logo que iniciou seu segundo mandato (Cleveland foi o único a ser eleito duas vezes, em períodos diferentes), em 1893, mandou retirar do Senado o Tratado de Anexação do Hawai, porque a rainha daquele arquipélago havia sido destituída em golpe conduzido por aventureiros norte-americanos. Cleveland foi, na presidência (1885-89 e 1893-97) o exemplo de homem eticamente inatacável. Ao mesmo tempo em que combatia a corrupção interna, respeitava a soberania dos outros.
MacKinley, insuflado pelos jornais de Hearst e de Pulitzer, declarou guerra à Espanha, ocupou a ilha de Cuba, que se livrou do domínio de Madri para submeter-se ao de Washington. As tropas ianques, que substituíram os soldados espanhóis, agiam com muito mais arrogância. Para livrar-se de sua presença, os cubanos entregaram sua soberania às cláusulas brutais da Emenda Platt, aprovada pelo Congresso norte-americano. A Emenda, entre outras coerções, criou a base naval de Guantánamo, um quisto permanente no território da Ilha. Em 1934, em plena depressão, Roosevelt, que então combatia Sandino na Nicarágua, anulou a Emenda, mas manteve a base militar.
A saída oficial das tropas de ocupação não significou real autonomia para os cubanos. Os interesses ianques - que iam dos cassinos ao açúcar, e dos bordéis ao níquel - ali se mantiveram, alimentando ditadores locais, como foram Gerardo Machado (1924-33) e Fulgencio Batista (1933-44 e 1952-59). É possível discordar do regime cubano, iniciado com a vitória revolucionária, mas é preciso entender a atribulada e sofrida história do povo cubano, ao longo de mais de um século.
Os norte-americanos, depois de derrotados na tentativa frustrada da invasão da Baía dos Porcos, foram confrontados pelos soviéticos na delicada questão dos mísseis. Os russos agiram com grande habilidade no incidente, e há quem tenha visto na instalação das armas uma jogada de xadrez. Enviado para negociar com Kennedy, Anastas Mikoyan obteve de Washington o compromisso de não atacar a ilha, em troca da retirada dos foguetes.
O enfraquecimento interno de Bush e o declínio mundial do prestígio norte-americano não conferem sensatez ao presidente. Ao contrário. Ele pode sentir-se tentado a aproveitar esse momento delicado de Cuba, com a enfermidade de Fidel e as crescentes reivindicações internas de mudanças, para um golpe de força sobre a ilha. Mas na aparente debilidade de Cuba pode estar a sua força, conforme a dialética chinesa da guerra. Há muitos anos que Havana deixou de ser a matriz insurrecional da América Latina, e não assusta ninguém. Apesar da solidariedade ativa da Venezuela e da Bolívia, não são Chávez nem Morales que determinam a posição continental em relação a Cuba, mas os governos moderados do México, da Argentina e do Brasil. Não interessa a nenhum deles nova aventura ianque na região, como tampouco interessa à União Européia, à Rússia, ou à China.
Acossados no Oriente, onde a Turquia move outra peça perigosa do jogo, os norte-americanos não se encontram tão poderosos como pensa seu presidente.
Sendo outras as circunstâncias, o o ciclo imperial, que se iniciou em Cuba, poderá encerrar-se em razão da sacrificada ilha.
Fonte: JB Online
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