Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Sem dúvida perturbado pela confusão verificada no Oriente Médio, onde se encontra, Fernando Henrique Cardoso declarou tratar-se de uma grande insensatez a proposta de um terceiro mandato para o presidente Lula. Para ele, seria antidemocrática a continuação do presidente no poder, especialmente porque, sem deixar o Palácio do Planalto, disputaria mais um período em condições excepcionais...
As declarações do ex-presidente ultrapassam os limites da insensatez. É o comandante da nau que navega por aí, não propriamente por opor-se ao continuísmo do Lula, mas porque tudo começou com ele. Quem, no exercício do mandato único para o qual foi eleito, rasgou a Constituição e obteve do Congresso, à custa da compra de votos, a permissão para reeleger-se? E sem precisar desincompatibilizar-se.
Vem agora o sociólogo e se insurge contra essa abominável proposta em andamento por aqui. Melhor faria se na Universidade de Tel Aviv, onde foi pronunciar palestra, dedicasse seu tempo a examinar como funciona bem em Israel a alternância no poder. Poderia, até, dar um pulinho a Jerusalém e visitar o Muro das Lamentações. Mesmo sem ser judeu, não lhe faria mal penitenciar-se pelo golpe vibrado em nossas instituições, em 1995.
Quem vem primeiro?
Flui dos corredores do Palácio do Planalto a informação de que Lula não admite tratar da eleição do novo presidente do Senado antes que o plenário vote a prorrogação da CPMF. Seria medida cautelar não cuidar do assunto sem a certeza da aprovação da emenda que garantirá R$ 40 bilhões ao governo no próximo ano. Trata-se de missão impossível evitar que os senadores aceitem o adiamento. Além de prova de fraqueza para um conjunto já exangue, fechar os olhos à escolha do novo presidente equivaleria, para os senadores, imaginar que os elefantes voam.
O sucessor de Renan Calheiros sairá, salvo engano, da bancada do PMDB, a maior da casa. Seis ou sete candidatos já evoluem nos bastidores. É bobagem esperar que refluam de suas pretensões. Quem fizer isso vai dançar, entre José Maranhão, Garibaldi Alves, Gerson Camata, Helio Costa, Edison Lobão, Roseana Sarney e José Sarney. Sem falar em Pedro Simon. Esperar a votação da CPMF, cujas chances de aprovação crescem dia a dia, será tornar o Senado ainda mais refém do Executivo.
Bastaria o Romário
A dúvida, ontem, era saber se o presidente Lula e os governadores Sérgio Cabral, José Serra, Aécio Neves, José Roberto Arruda, Cid Gomes e outros participantes do convescote da Fifa, em Zurique, levaram chuteiras em sua bagagem. Porque, convenhamos, a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil nos é francamente favorável.
Mesmo sabendo que gastaremos bilhões nos preparativos, o retorno surgirá mais lucrativo, não só em termos de recursos e de empregos criados. Politicamente, as atenções do planeta ficarão voltadas para os diversos estádios onde a competição acontecerá. O que a gente se pergunta é o porquê desse deslocamento milionário para a Suíça, quando até os craques do futebol infantil já sabiam ser o Brasil o escolhido.
Tanto que não tivemos concorrente. O presidente e os governadores fingiram demonstrar surpresa quando do anúncio oficial, mas não teriam cumprido melhor suas funções se tivessem permanecido aqui? Pretexto igual para folgar raras vezes se tem visto, pois, para representar-nos, bastaria o Romário...
Frustrações
Desde que este que vos escreve começou a votar que as frustrações se têm acumulado. Primeiro foi com Jânio Quadros, na aparência um salvador da pátria. Ele restabeleceria a dignidade nacional, botaria os ladrões na cadeia, recuperaria a economia, enquadraria o funcionalismo público e abriria as portas da política externa para o Terceiro Mundo.
Deu no que deu, com a felizmente malograda tentativa de golpe a ser vibrado de cima para baixo. Veio a Campanha da Legalidade, conduzida por Leonel Brizola e que culminou com a posse do vice-presidente João Goulart. Era o herdeiro político de Getúlio Vargas, o Brasil daria mais alguns passos no rumo da conquista da justiça social, com as reformas de base. As trapalhadas foram tantas que Jango acabou deposto, sem que as massas operárias se levantassem em sua defesa. Nova frustração.
Com os presidentes militares, as frustrações apenas variaram de grau. Todos prometiam a democracia mas vibravam tacape e borduna nos ombros da nação. Castello Branco prorrogou o próprio mandato, Costa e Silva assinou o AI-5, Médici não deixou o País democratizado, Geisel mostrou-se o mais tonitruante de todos e Figueiredo, mesmo promovendo a anistia e levantando a censura à imprensa, pediu que o esquecessem.
Tancredo Neves era a esperança nacional, mas adoeceu horas antes da posse e nos legou a frustração de um vice do lado de lá, que, apesar da surpresa do Plano Cruzado, terminou deixando uma inflação de 80%. Nova frustração.
O jovem Fernando Collor, caçador de marajás, começou confiscando a poupança popular e terminou defenestrado, frustrando quem havia acreditado em suas promessas. Itamar Franco terá sido a surpresa, porque se ninguém esperava nada dele, acabou como o mais honesto e competente, mas com o pecado mortal de haver escolhido e elegido o sucessor.
Fernando Henrique era a salvação. Sociólogo, homem da esquerda consciente, parecia destinado ao sucesso. Perdeu-se desde a primeira hora, pedindo que esquecessem o que havia escrito antes e mergulhando o Brasil no maior brejo de todos os tempos, alienando o patrimônio público, entregando a economia às multinacionais e suprimindo direitos sociais. Frustração monstruosa.
Afinal, Lula. O operário que revogaria os privilégios das elites e resgataria a dignidade dos humildes através da criação de empregos, da melhoria da vida dos assalariados e da afirmação do País diante da exploração dos países ricos. Nada de esmolas para os miseráveis, mas de ascensão social da maioria. Pois é. Quem quiser que responda, de olho no futuro nem tão longínquo assim. Ou ele fica mais um mandato, solução abominável, ou... (cala-te, boca).
Fonte: Tribuna da Imprensa
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