Bolsonaro errou ao não deixar o “fígado” em Brasília
Por Andrea Jubé
Em algumas situações, tratados científicos e ditados populares equiparam-se como fonte de sabedoria. O notório “quem avisa, amigo é” não precisa partir de um Einstein para atingir o alvo. Se o destinatário do alerta confia no conselheiro - um amigo, ou um aliado - deveria ouvi-lo para tomar a melhor decisão no momento.
O mau desempenho do primeiro e do segundo colocados nas pesquisas sobre a sucessão presidencial no debate promovido pela TV Bandeirantes (em “pool” com a TV Cultura, portal UOL e “Folha de S.Paulo”), pode ser atribuído, parcialmente, à resistência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente Jair Bolsonaro em ouvir os aliados e acatar, ao menos parcialmente, os respectivos conselhos.
Erros e constrangimentos poderiam ser evitados, na avaliação de integrantes da coordenação das duas campanhas, se Lula e Bolsonaro fossem menos teimosos. Ou se não tivessem “compromisso com o erro”, para relembrar a oportuna lição de Juscelino Kubitschek.
Diante do resultado negativo para ambos, Lula e Bolsonaro avaliam não comparecer mais a debates, ao menos no primeiro turno. Já está decidido que não irão ao debate programado para 24 de setembro, promovido pelas emissoras CNN e SBT, em “pool” com a “Veja”, o jornal “O Estado de S. Paulo”, o portal Terra e a rádio Nova Brasil FM. A presença de ambos no debate promovido pela TV Globo, no dia 29 de setembro, ainda é incerta nas duas campanhas.
A história registra, infelizmente, que os líderes das pesquisas ganham mais faltando aos debates. Com esse comportamento, perde o eleitor, perde a democracia. Mas na ponta do lápis, o saldo de votos ao final compensa a pecha de “fujão”. Bolsonaro venceu o pleito em 2018, com margem folgada, sem discutir propostas com adversários.
Em 2006, no embate pela reeleição, Lula se manteve na liderança das pesquisas, bombardeado pelas denúncias do Mensalão, mas ausentou-se do debate da TV Globo na véspera da votação do primeiro turno. Após manter suspense, ele enviou um comunicado à emissora alegando que faltaria ao evento para evitar uma "arena de grosserias e agressões, em um jogo de cartas marcadas".
Naquele ano, Lula amargou o constrangimento da exibição pelas câmeras da Globo de um lugar vazio, ostentando o seu nome, durante as três horas de debate. Mesmo assim, o petista passou ao segundo turno com 48,6% dos votos válidos, contra 41,6% do tucano Geraldo Alckmin - uma margem de sete pontos percentuais de diferença. E venceu o adversário na etapa final. Passados 16 anos, Alckmin é hoje o festejado candidato a vice-presidente na chapa lulista, em uma dessas artimanhas da história que ninguém explica. Nem Freud.
Na linha do “quem avisa, amigo é”, Bolsonaro foi alertado pelos caciques do Centrão de que deveria vestir o figurino “moderado” no debate da Band e, para isso, era necessário “deixar o fígado em Brasília”. Contudo, ao invés de obedecer à recomendação, quem Bolsonaro deixou para trás na capital federal foi justamente o marqueteiro Duda Lima, o mais tarimbado para orientá-lo nos bastidores do evento.
Além disso, um estrategista da campanha bolsonarista ponderou à coluna que Bolsonaro excedeu-se com a jornalista Vera Magalhães sem necessidade, porque ele tinha resposta para a pergunta sobre a vacinação pública. A avaliação da ala política é que a presença de Duda Lima no estúdio teria ajudado a manter Bolsonaro concentrado em não perder a linha.
Num momento em que tem que correr atrás do votos das mulheres, segmento onde enfrenta altíssima rejeição, Bolsonaro deveria dar ouvidos a pelo menos uma delas e uma das mais informadas em política: Dona Ida Maiani de Almeida, ou Dona Mora, personagem do livro “A história de Mora - A saga de Ulysses Guimarães”, do jornalista Jorge Bastos Moreno (morto em 2017).
“Aprendi com meu marido a não ter ressentimento. Na atividade de Ulysses [a política], o ressentimento é mortal. Tanto que ele costuma dizer que não faz política com o fígado, nem guarda mágoa na geladeira”, diz Mora, em trecho do livro de Moreno.
Políticos experientes argumentam que os líderes das pesquisas, ao menos aqueles que despontam no primeiro e no segundo lugar da corrida eleitoral, não deveriam comparecer aos debates, a despeito do prejuízo ao eleitor. Isso porque a boa colocação transforma esses candidatos em alvo preferencial da artilharia dos adversários, como ocorreu com Lula e Bolsonaro no evento da Band.
Simone Tebet ganhou projeção inédita até agora e Ciro Gomes (PDT) foi bem - embora Bolsonaro tenha lembrado que o pedetista também tem flertes com o machismo. Resta saber se esse desempenho se refletirá nas próximas pesquisas, embora não haja tempo hábil para superarem Lula ou Bolsonaro - salvo o improvável. “Debate é escada para quem está atrás subir”, resume um político com muitas horas de voo em eleições, que descarta qualquer mudança no cenário de polarização.
Retomando o “quem avisa, amigo é”, uma ala da campanha lulista sustentava que ele não deveria comparecer ao debate da Band para que o petista surfasse por mais tempo a onda positiva proporcionada pelo ótimo desempenho na sabatina do “Jornal Nacional” no dia 25 de agosto. Há quem acredite, por exemplo, que os momentos de aparente “apagão” e nítido constrangimento a que Lula se submeteu no domingo neutralizaram o ganho obtido no confronto com William Bonner e Renata Vasconcellos.
Como nenhum outro veículo proporcionaria a vitrine com a audiência de dezenas de milhões de espectadores do “JN”, a equipe de Lula defende que ele não participe mais nem mesmo de sabatinas. Mas isso está sub judice.
Em outra frente, Bolsonaro já decidiu que comparecerá às sabatinas promovidas, preferencialmente, por canais de televisão abertos. Ele irá às entrevistas da Rede TV e SBT e também à TV Jovem Pan. Ele quer intensificar a pauta da corrupção. Bolsonaristas acreditam que o PT ainda não alinhou o discurso de defesa sobre esse tema.
Valor Econômico