A disputa pelo Senado no Paraná entre Sérgio Moro (esq.) (União Brasil) e o ex-aliado senador Alvaro Dias (dir.) (Podemos) deflagrou uma troca de acusações. O Podemos, antiga legenda do ex-juiz da Operação Lava Jato, diz que o ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro usou dinheiro público para beneficiar um amigo e aliado, dono de uma consultoria jurídica. O partido ameaça pedir a restituição de valores na Justiça e Moro, por sua vez, afirma que o Podemos pratica corrupção e lavagem de dinheiro.
A sigla que acolheu o projeto presidencial de Moro agora diz também que ele exigiu que o Fundo Partidário fosse usado para pagar personal stylist, alfaiataria, roupas, sapatos e óculos de grife, entre outros itens e "hábitos de luxo".
Moro contestou as alegações do partido: "É uma clara prática da velha política. Cortina de fumaça para esconder o principal: os indícios de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a alta cúpula do Podemos, encontrados e formalizados no relatório de auditoria que foi revelado pela revista Veja. A falta da tomada de qualquer providência pelos dirigentes e o fim prematuro da auditoria determinaram a minha saída do partido", disse Moro ao Estadão.
O aliado do ex-juiz que está no centro da briga com o Podemos é Luis Felipe Cunha, primeiro-suplente ao Senado na chapa do ex-ministro no Paraná. Amigo do ex-juiz há mais de uma década, Cunha é dono da consultoria Bella Ciao, que recebeu R$ 60 mil do partido para colaborar na elaboração do programa de governo do então presidenciável. Segundo a legenda, o serviço não foi prestado e ainda acusa Cunha de ter tentado buscar outras formas de receber dinheiro do Fundo Partidário.
"A despeito de todo e qualquer pedido, o Podemos jamais aceitou pagar qualquer despesa pessoal do senhor Sérgio Moro. Além disso, não admite a manutenção de contratos que não tenham comprovação de execução. A não entrega de relatórios de prestação de serviços foi a razão da suspensão de pagamentos à consultoria do Bella Ciao, cujo sócio é Luis Felipe Cunha, indicado pelo senhor Sérgio Moro como seu assessor direto", disse o Podemos, em nota.
O partido afirmou, ainda, que Cunha queria fechar um segundo contrato por meio de seu escritório de advocacia Vosgerau e Cunha Advogados Associados, mas o pedido teria sido negado, segundo a legenda, "por inexistir objeto para o serviço".
Especialista em contencioso, Cunha teve em sua clientela a Petrobras - que esteve no centro da Lava Jato -, o Sesc de Brasília e jogadores de futebol. Sua chegada à pré-campanha de Moro se deu em meados de dezembro, época em que o ex-juiz viveu o início de sua "separação de corpos" com a cúpula do Podemos, e se cercou de pessoas de confiança externas à estrutura do partido.
Após a chegada de Cunha ao time de Moro, foi dado início a uma disputa por dinheiro entre a equipe do ex-ministro e a presidente do Podemos, Renata Abreu. O partido se comprometeu a disponibilizar R$ 40 milhões para a campanha. Integrantes da legenda afirmaram ao Estadão que Moro e Cunha pediam R$ 70 milhões. "Em nome de Moro, Luis Felipe Cunha fazia questão de mostrar as notas de alto valor ao Podemos, para pressionar por mais pagamentos. Ele chegou a preparar mais um contrato também no valor de R$ 30 mil, justificando ‘ser caro a manutenção do estilo de vida de Sergio’", disse o Podemos, também na nota.
A legenda sobe o tom contra Moro. "Aliás, a decisão de filiação de Moro ao Podemos começou no estilo ‘proposta indecente’: que o partido custeasse um salário de R$ 40 mil - remuneração de ministro do STF - e pelo prazo de quatro anos, a pretexto de lhe garantir segurança familiar e o luxo ao qual está habituado, caso o projeto eleitoral naufragasse", afirmou o partido.
Moro negou que tenha pedido ou recebido desembolso, mas admite que a empresa do aliado recebeu recursos do Podemos. "Bella Ciao foi a consultoria que auxiliou o partido na formulação do plano de governo, tendo recebido parcialmente pelos serviços prestados", afirmou.
Compliance
A versão de Moro é que as acusações do Podemos decorrem do fato dele não ter aceitado a existência de uma suposta rede de captação ilegal de dinheiro que envolveria a cúpula do partido. Segundo reportagem de Veja, a investigação teria sido feita de maneira sigilosa e o caso batizado de "Operação Cerrado". O documento final da auditoria, que foi obtido pela revista, teria sido apresentado por uma empresa de compliance que Moro alega ter exigido a contratação.
Os auditores listam operações "estranhas" e coincidências como a de uma funcionária do partido que montou uma empresa de transporte e em seguida assinou contrato com uma prefeitura do interior de São Paulo na base da presidente da sigla, Renata Abreu. O partido rebateu: "Inicialmente é necessário informar, corretamente, que a conclusão da auditoria interna foi de que não há qualquer irregularidade no Podemos, sendo que o resultado foi apenas consolidado pela empresa em 21 de julho, muito tempo após a saída de Sérgio Moro do partido que ocorreu em março".
Calote
O suplente de Moro no Paraná foi decisivo na contratação da agência que atendeu o Podemos na pré-campanha, na qual trabalhava o marqueteiro Pablo Nobel. Ele assumiu a pré-campanha do ex-juiz, mas ficou sem receber após a ida dele para o União Brasil e por isso recorreu à Justiça. Hoje, Nobel atua na campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo.
Cunha era figura presente em reuniões estratégicas de pré-campanha no Hotel Intercontinental, em São Paulo. Custeado pelo partido para hospedar Moro, o estabelecimento também foi palco da reunião que selou a ida do ex-juiz para o União Brasil.
Ao Estadão, o advogado disse que sua empresa foi contratada pela Fundação Podemos para "elaborar um projeto de melhorias para o País, visando subsidiar uma possível candidatura presidencial", mas que o partido ainda está devendo pelos serviços prestados. "O trabalho vinha sendo desenvolvido regularmente com a previsão de pagamentos mensais. Entretanto, somente as duas primeiras parcelas referentes à prestação do serviço foram efetivamente quitadas", disse.
Cunha afirmou, ainda, que a "situação de inadimplência" teria afetado outros prestadores de serviços contratados pelo Podemos no período. Segundo o advogado, a equipe de marketing contratada não foi remunerada pelo trabalho referente a propagandas partidárias veiculadas.
Estadão / Dinheiro Rural