'Qualquer que seja o nosso candidato, somos obrigados a lembrar o que fez e sobretudo o que pensa sobre nós'
Por Cacá Diegues (foto)
O cinema brasileiro sempre teve problemas com o Estado e era normal que fosse assim. Os políticos sempre têm críticas à criação, pois cabe aos políticos tentar convencer a população de que ela se comporta do jeito que precisa se comportar; enquanto à criação cabe dizer que ainda há um futuro a percorrer. Enquanto aos políticos é natural afirmar que aquilo que a população desejava deles está sendo cumprido, aos criadores cabe propor cenários inéditos de acordo com sua imaginação e ideologia pessoais. Ao diálogo de quem está no poder, equivale uma reação dos que sonham em inventar um novo mundo. Se aos políticos cabe justificar os votos que receberam, aos criadores cabe inventar novas alternativas, sem ser obrigado a acertar em todas elas.
Desde o início da redemocratização do Brasil, de Sarney a Temer, esse embate produzia a energia necessária para que as forças de cada lado acertassem suas preferências. E essas se tornavam sugestões à população, que as podia aceitar ou não.
Mal ou bem, com melhores ou piores condições, sempre resolvemos nossas desavenças com o poder político através de acordos, às vezes silenciosos, sem textos ou frases perdidas em reuniões formais ou não. Por exemplo, quando Gilberto Gil deixou o ministério de Lula, como o grande ministro da Cultura que tinha sido, foi substituído na casa por um funcionário profissional, por indicação do próprio Gil. Em muito pouco tempo, o novo ministro já estava impondo suas ideias obsoletas à atividade.
Mesmo durante o mandato de Gil, tivemos alguns problemas com a administração pública, quase sempre pelos mesmos motivos, quase sempre em nome de nossos direitos e de nossa absoluta independência de manifestação. Mas soubemos, a cada nova situação, recuar quando a crise se tornava insuportável para nossa atividade. Em nenhum momento Gil aceitou pôr em risco essa atividade.
Talvez seja este o momento de revermos tudo isso, recuperando nosso direito de manifestação e a liberdade de expressão que estávamos começando a perder. Depois de outubro, com o resultado das eleições, seja ele qual for, temos uma razão forte para rever as atuais circunstâncias que tanto mal fizeram a todos nós.
A economia nacional, por exemplo, será sempre o resultado de ações montadas pelos que agitam suas vidas nessa área. Outras ações, criadas no universo da invenção, só serão indispensáveis se servirem de algum modo à comunidade criadora do país.
O Brasil não alimenta mais aquela antiga tradição de cada candidato ser a lembrança de uma forma de governo exercido por um de seus antecessores.
Quando queremos nos livrar de um deles, qualquer que seja o nosso candidato, somos obrigados a lembrar o que fez e sobretudo o que pensa sobre nós. E assim irmos selecionando, entre os que sobrarem, aqueles que têm para nós algum valor.
O Globo