Por Josias de Souza
Bolsonaro revela um certo desapreço pelos brasileiros que carregam um espaço baldio entre o esôfago e o duodeno. "Fome no Brasil? Fome pra valer? Não existe da forma como é falado", declarou o presidente ao Ironberg Podcast. Estufando o peito como uma segunda barriga, o capitão falou como se fizesse uma dieta mental. "Se a gente for em qualquer padaria, aqui, não tem ninguém ali pedindo pra você comprar um pão pra ele. Isso não existe!".
Divulgado em junho, o segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil revelou que 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome no país. No final de 2020, eram 19,1 milhões. Pesquisa feita pelo Datafolha também em junho revelou que 1 em cada 4 entrevistados disse que a quantidade de comida disponível em casa era inferior ao necessário para alimentar sua família.
O pior tipo de cego é o presidente que não consegue ouvir as lamúrias da fila do osso, os queixumes à beira das caçambas de lixo dos supermercados e restaurantes. Há uma desconexão entre os objetivos de Bolsonaro e a meta dos famintos.
Em campanha, o presidente esgrime o Auxílio Brasil para tentar demonstrar que tem coração. Os famélicos não sabem o que é coração. Para eles, o corpo humano é 100% feito de vísceras. O plano de Bolsonaro é obter a reeleição. O projeto de quem passa fome arranjar comida.
Bolsonaro quer mais quatro anos de Poder. O mundo do faminto cabe no intervalo entre uma refeição e outra. O relógio do estômago vazio só tem tempo para certas horas: a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar… O pragmatismo estomacal é implacável.
Bolsonaro diz que cumpre na Presidência uma missão divina. Vivaldino, não pede a Deus que seja feita a Sua vontade. Exige que o Todo-Poderoso aprove a sua vontade de permanecer no Planalto. O brasileiro faminto sonha com a morte. Pede a Deus que coloque no seu céu uma cozinha como a do Alvorada. Deseja uma fome de presidente, do tipo que pode ser saciada abrindo a geladeira.
Há na alma de Bolsonaro uma inusitada mistura de ignorância pessoal com inanição mental. Essa combinação produziu o negacionismo da fome. Algo que magnifica a insaciável subnutrição mental do presidente da República.
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