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segunda-feira, novembro 01, 2021

O que o Brasil tem a ganhar com o sucesso da COP-26 - Editorial

 




De hoje até dia 12 de novembro, a cidade de Glasgow, na Escócia, receberá a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26). Todos aqueles que reconhecem a importância do aquecimento global, mas acompanham o tema à distância têm pelo menos dois bons motivos para prestar mais atenção desta vez. Primeiro, é possível que sejam tomadas decisões históricas, uma vez que grandes potências parecem convencidas da necessidade de avanço nas negociações rumo ao corte nas emissões. Segundo, o Brasil poderá ser um dos maiores beneficiários da evolução de uma economia global de baixo carbono.

Ao fim do encontro, ficará evidente quais países fazem parte da solução e quais querem continuar sendo problema. Desgraçadamente, há um risco nada desprezível de que o Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, seja incluído no segundo grupo. A última evidência veio à tona na semana passada, quando o Relatório sobre Lacuna de Emissões 2021 confirmou que o governo brasileiro tenta usar uma manobra contábil para, numa “pedalada climática”, aumentar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2030, em vez de reduzi-las no ritmo com que o país se comprometera antes.

Há um problema de fundo. Bolsonaro comunga a ideia retrógrada do tempo da ditadura militar, acreditando que a soberania sobre as áreas de floresta só pode ser exercida por meio de destruição e ocupação. Isso explica a vida fácil de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais no seu governo. Se for essa a diretriz a nortear a delegação brasileira ao chegar em Glasgow, é certeza que perderemos uma grande chance.

Uma das negociações centrais esperadas para a COP-26 tratará das regras para a criação de um mercado global de créditos de carbono (no jargão dos ambientalistas, trata-se da regulação do Artigo 6º do Acordo de Paris). Por meio desse mercado, países que precisam lançar gases na atmosfera para manter suas economias funcionando poderão comprar esse direito daqueles que estiverem mais adiantados na transição rumo às atividades de baixo carbono ou que tiverem implantado mecanismos de captação do gás carbônico. O principal são as florestas, e a principal é, obviamente, a Amazônia.

Trata-se de um mercado em que, nas palavras de Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Brasil terá uma “vantagem descomunal”. Se souber preservar a Amazônia, entrará como vendedor, literalmente, por força da natureza. Numa tentativa anterior de estabelecê-lo, porém, o Brasil, já com Bolsonaro no Planalto, foi considerado responsável pelo fracasso das conversas. Foi um erro e não deve ser repetido.

A maioria dos países já anunciou suas metas de redução de emissões e as ratificou. Mais recentemente, vários vêm antecipando os prazos para alcançá-las. O passo seguinte é estipular um limite máximo de emissão para as empresas. As que ultrapassarem o ponto determinado poderão comprar créditos de carbono das que ficarem abaixo. Glasgow poderá ser o marco do lançamento desse mecanismo em escala global. Por contar com uma matriz energética baseada em fontes limpas, com florestas e a possibilidade de reduzir suas emissões, o Brasil tende a ser líder nessa área. Poderemos nos tornar uma potência exportadora global de soja, minério de ferro, proteína animal, aviões e... créditos de carbono.

Primeiro, porém, o país precisa enfrentar o desmatamento ilegal, que responde por 44% das nossas emissões e nos coloca entre os seis países mais poluentes. Já fizemos isso antes. Entre 2004 e 2012, o desmatamento na Amazônia caiu de 27,7 mil km2 para 4,5 mil km2. Nesse mesmo período, a produção de soja no país cresceu 33%, e o rebanho bovino ganhou 6,5 milhões de novas cabeças de gado. Manter a floresta em pé não é freio para o agronegócio. Pelo contrário. É questão de sobrevivência. Mais de 90% da nossa agricultura depende do ciclo de chuvas, que mudará radicalmente se o aquecimento global persistir.

Enfrentar as madeireiras ilegais requer vigilância e operações no meio da mata. Infelizmente, isso tem acontecido com menos regularidade no atual governo, que desmontou as estruturas de fiscalização dos órgãos ambientais. É necessário investigar e prender criminosos que financiam e lucram com a venda de madeira, com a grilagem e com a exploração ilegal de metais preciosos. Os chefes dessas organizações estão nas cidades. É preciso denunciar fabricantes de máquinas e equipamentos usados para o desmate que distribuem seus produtos em regiões onde a prática é ilegal.

Para que tudo isso ocorra, Bolsonaro precisa deixar para trás o pensamento castrense das décadas de 1960 e 1970 e chegar ao século XXI. Deve entender que sustentabilidade é política de Estado. Será um erro imperdoável mandar a delegação brasileira em Glasgow usar subterfúgios, como o baixo volume de ajuda financeira dos países ricos aos pobres, para estragar a possibilidade de avanço. Serão vãs as promessas com prazos distantes, sem um cronograma rígido de curto prazo. O governo brasileiro não tem mais nenhuma credibilidade nessa área. Bolsonaro tem a obrigação de perceber que, quer ele queira ou não, o mundo caminha para uma economia verde — e isso abre uma oportunidade de dimensões amazônicas para o Brasil.

O Globo

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