William Waack
Estadão
Reza a lenda que Jair Bolsonaro não era a primeira escolha de Paulo Guedes para satisfazer a vaidade intelectual de mudar o Brasil. Era Luciano Huck. Mas Guedes achou que só Bolsonaro teria couro duro para aguentar as pancadas vindas do “sistema” que ele, Guedes, se propunha a desmontar: patrimonialismo, Estado balofo, incompetência do funcionalismo público e economia fechada.
Da escola de Chicago, onde estudou, Guedes parece ter absorvido sobretudo o voluntarismo de Milton Friedman – inspirador mesmo para os colegas que abominam suas ideias. Economistas, escreveu Friedman em suas memórias, exercem influência à medida que mantêm opções ao alcance de políticos em época de crise.
TÁTICA DO CENTRÃO – No caso de Bolsonaro, as opções foram sendo reduzidas até se chegar à derradeira delas: como arranjar dinheiro para programas assistenciais com grande potencial eleitoreiro. Guedes pode pretender o que quiser do ponto de vista “programático” ou intelectual. Para todos os efeitos práticos, seu papel hoje é chancelar uma tática política ditada pelo Centrão fisiológico.
Em vez de o presidente da República adotar os postulados monetaristas e anti-keynesianos que o ministro da Economia proclamava para plateias “dos mercados”, ocorreu o contrário. O monetarista foi empurrado para o papel de facilitador do patrimonialismo, indisciplina fiscal e intervencionismo considerados anátemas na escola onde ele estudou.
Declarações recentes de Guedes sobre a recuperação e perspectivas da economia têm levado críticos a dizer que o outrora visionário e poderoso ministro da economia teria perdido o senso para os dados da realidade.
ESTÁ ISOLADO – O que ele talvez não percebeu em toda sua extensão é o quanto já foi abandonado pelas mesmas parcelas do mundo empresarial que tanto o abraçavam.
Entre Guedes e os agentes da economia existe hoje um fosso, que está se ampliando, quando se trata de expectativas. E por ser a percepção dos agentes econômicos cada vez mais o fator dominante, e cada vez menos o que o ministro diz, a capacidade dele de “talk up” a economia tem sido próxima do zero. Nesse sentido, não adianta pôr a culpa “na mídia”.
Na raiz da cooperação entre economistas e políticos está sempre a tensão entre as ideias (do economista) e a visão política (do dirigente) sobre o que e como seria possível. O problema para Guedes não estava propriamente nas suas ideias mas, sim, no que se revelou ser um monumental erro de julgamento pessoal e político. O político tosco de couro duro que escolheu não era o agente de transformação (assumindo que tivesse querido ser). Mas, sim, seu principal obstáculo.