Elio Gaspari
Folha/O Globo
O PT subiu num salto alto à sua maneira. Num pé, calçou um modelo Sabrina; noutro, um Stiletto. Como eles têm alturas diferentes, incomodam pouco quem joga sentado, mas atrapalham, e muito, quem tiver que se mover numa campanha eleitoral.
Em menos de um mês, o comissariado se amarrou numa incompreensível, porém deliberada, defesa de regimes ditatoriais ditos de esquerda.
O CASO ORTEGA – Primeiro, um comissário saudou a vitória de Daniel Ortega numa eleição que lhe rendeu o quarto mandato à custa da prisão de postulantes. A presidente do PT disse que o festejo não havia passado pelo crivo da direção. Passaram-se semanas, e Lula foi confrontado pelo caso nicaraguense por duas entrevistadoras do jornal “El País”.
Numa resposta marota de palanque, bateu no cravo e acertou Ortega defendendo a alternância dos governantes no poder. Na ferradura, lembrou que Angela Merkel ficou 16 anos no poder. Adiante, repetiu o truque ao dizer que a democracia em Cuba depende do fim do bloqueio econômico dos Estados Unidos. Nenhuma das duas coisas tem a ver com a outra.
Nosso Guia foi prejudicado pela retórica de que se vale nos discursos. As repórteres Pepa Bueno e Lucía Abellán, contudo, eram entrevistadoras.
DILMA E A CHINA – Dois dias depois, a ex-presidente Dilma Rousseff participava de um debate sobre o livro “China, o socialismo do século XXI” e disse o seguinte: “A China representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais.”
Internet censurada, partido comunista (o único) controlando empresas e roubalheiras sazonais iluminam pouca coisa, mas se a doutora gosta dessa penumbra, o problema é dela. Mais intrigante foi a contraposição que ela pôs na mesa: a “absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais”.
Há sociedades ocidentais que passam por crises. Se algumas podem até estar em decadência, não são todas e, no conjunto, ela não é “absoluta”.
FALSA DECADÊNCIA – Desde que há Ocidente, há quem o veja como decadente. Essa ideia se popularizou a partir de 1918, quando o pensador alemão Oswald Spengler escreveu o seu “A decadência do Ocidente”. Simplificando, ele previa a ascensão ao poder de partidos cesaristas.
O doutor morreu em 1936, quando havia césares na Alemanha, na Itália e na União Soviética. Nove anos depois, viu-se no que deu. Nenhum dos partidos que produziram os césares de Spengler existe hoje.
Há no PT quem concorde com Dilma e Lula, e os dois podem dizer que governaram o Brasil por 13 anos sem agredir nem mesmo ameaçar as instituições democráticas. O declínio do PT foi influenciado pelos episódios em que se lambuzou.
ALA RADICAL – Com poucas exceções, sua ala radical passou pessoalmente incólume pelas lambanças. Isso lhe proporcionou uma autoridade moral nas discussões internas, mas não resultou numa linha que permita ao PT entrar numa campanha eleitoral com um pé num salto Sabrina e outro num Stiletto. Até porque Sergio Moro largou com vontade. Levou o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz para o Podemos, está formando equipes e lançou pontes na direção de bolsonaristas arrependidos.
Se nos próximos meses Moro encostar ou ultrapassar Bolsonaro nas pesquisas, provocará uma migração para seu ninho. Ela terá tudo para virar debandada.