Carlos Alberto Di Franco
O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da cidadania. Em meu último artigo tratei do cinismo antiético que domina amplos setores do Congresso Nacional. O episódio das passagens aéreas reuniu situação e oposição no mesmo balaio da amoralidade. A nota oficial do presidente da Câmara, Michel Temer, é de uma esquizofrenia flagrante. Reconhece malfeitorias, mentiras e abusos. O corolário do silogismo, no entanto, não é a punição. Tudo acabou em novas regras e numa formidável anistia. Se todos, ou quase todos, estão envolvidos, ninguém é culpado. Viva a impunidade! Recebi 84 e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma boa amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: indignação e pessimismo.
Muitos brasileiros, equivocadamente, começam a descrer da democracia. Paira no ar uma perigosa sensação: o Congresso Nacional não serve para nada. Vislumbra-se uma relação de causa e efeito entre corrupção e democracia. Alguns, sem dúvida desmemoriados, têm saudade de um passado ditatorial de triste memória. Reféns do desalento, sinalizam um risco que não deve ser subestimado: a utopia autoritária.
O Brasil, apesar dos pesares, tem instituições razoavelmente sólidas, embora parcela significativa da sociedade, como já disse, comece a questionar a validade de um dos pilares da democracia: o Congresso Nacional. O descrédito generalizado, sobretudo dos parlamentares, captado em inúmeras pesquisas de opinião, é preocupante. Queixa-se também a sociedade da impunidade radical. O fato de a Polícia Federal prender e o Judiciário soltar, independentemente de eventuais razões processuais que possam justificar o procedimento, conspira contra a credibilidade da Justiça. Que fazer? Eis a pergunta que está no fundo do gigantesco descontentamento nacional.
Nós, jornalistas, sem engajamento ideológico algum, mas cumprindo rigorosamente o nosso dever de denúncia, podemos contribuir poderosamente para a renovação ética do País. O combate à corrupção deve ser uma bandeira permanente. Para isso, em primeiro lugar, é preciso fugir do jornalismo declaratório e investir pesadamente na metodologia da dúvida. Interrogar e duvidar é um dever profissional elementar, sobretudo quando se cobrem assuntos de interesse público.
Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. A busca da isenção, no entanto, não significa a equivocada opção pela neutralidade. Os leitores não querem um jornalismo insosso e incolor. Querem uma mídia comprometida com a verdade. Tal compromisso, como é lógico, reclama, muitas vezes, uma informação que desemboca na denúncia consistente.
Na falta do bom ceticismo (jornalistas não podem ser ingênuos), o predomínio das aspas ocupa o lugar da informação. Um exemplo é suficiente: o agressivo marketing do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Inúmeras foram as manchetes reproduzindo declarações do presidente da República e da chefe da Casa Civil a respeito do novo milagre brasileiro. Poucas, muito poucas mostraram a realidade dos fatos: o PAC é uma bela parola! E a nossa missão é (ou deveria ser) rasgar o declaratório e mostrar a verdade. Declaração não é ponto de chegada. É ponto de partida. É pauta. Precisamos ver e confrontar a realidade com as promessas. Sem isso o jornalismo deixa de ser socialmente relevante.
Complementa-se o dever da denúncia com o que eu chamaria de jornalismo de buldogues. Precisamos, todos, ser a memória da cidadania. Sugiro, mais uma vez, uma simples, mas eficiente terapia de combate à imoralidade: o placar da corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro didático dos principais escândalos: o que aconteceu com os protagonistas da delinquência, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Seria bom, em período eleitoral, relembrar o nome dos congressistas que participaram ativamente da farra das passagens aéreas e de outros desmandos. Trata-se de serviço público de primeira grandeza.
É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, devemos ser o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de desnudar o que o marketing esconde.
"A imprensa", dizia Rui Barbosa, "é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as Constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país."
Pois bem, caro leitor: um abismo separa os ideais de Rui Barbosa dos usos e costumes da Ilha da Fantasia.
Mudar é preciso.
Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com)
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)
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