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quarta-feira, maio 27, 2009

Na aula de Obama, História e sabedoria

Elio Gaspari

O companheiro Obama fez mais uma daquelas que deixam as pessoas felizes por vê-lo na presidência dos Estados Unidos. No dia da homenagem aos americanos que morreram nas guerras de seu país, mandou colocar uma coroa de flores no monumento aos negros combatentes da Guerra Civil, uma briga na qual morreram 620 mil soldados.

Parece coisa pouca, até demagogia, mas o gesto indica, mais uma vez, que sua presidência, quando provocada, mexe com as raízes da sociedade americana levando-a a olhar de maneira diferente para si própria. Obama transformou uma provocação de George Bush em aula.

A cerimônia do Memorial Day, durante a qual o presidente dos Estados Unidos sobe a colina do cemitério Nacional de Arlington para colocar flores no túmulo do Soldado Desconhecido, escondia uma manipulação mesquinha da História.

No século XIX a fazenda de Arlington pertencia à mulher do general Robert Lee, comandante das tropas rebeldes do Sul. Depois da Guerra Civil ela foi confiscada e, em 1864, tornou-se um cemitério para receber os despojos dos soldados da União. Enterraram os mortos do Norte na fazenda do comandante das tropas do Sul. Mais: abriram espaço para um enorme assentamento de escravos fugidos e libertos.

Em 1900, quando o andar de cima estava reconciliado e no de baixo roncava a segregação racial, Arlington deu sepultura a todos os mortos da Guerra Civil, sem distinção de causa. Mais tarde o presidente Woodrow Wilson inaugurou no cemitério um monumento aos soldados do Sul e surgiu o costume de a Casa Branca mandar colocar uma coroa de flores ao pé da estátua no dia 3 de junho, aniversário do nascimento de Jefferson Davis, o presidente confederado. Em 1990 George Bush pai encerrou essa prática, mas o filho restabeleceu a homenagem e pisou no acelerador, transferindo-a para o Memorial Day.

O companheiro Obama herdou a provocação, típica do radicalismo de seu antecessor. Houve uma guerra civil e a facção escravocrata capitulou; criou-se uma celebração do reencontro e Bush recriou a homenagem aos sediciosos. Um longo documento assinado de 60 professores pediu ao companheiro que suspendesse a homenagem aos confederados. Na lista vinha James MacPherson, notável historiador da guerra.

Se Obama não mandasse a coroa poderia ser acusado de reabrir feridas centenárias. (Nunca é demais lembrar que, segundo um diretor da Ku Klux Klan, o companheiro não é negro.) Se mandasse, cairia na tipologia racista do “negro de alma branca”. Xeque ao rei.

Sua solução foi maior que o problema. Criou uma nova tradição e mandou flores também para o monumento aos duzentos mil soldados negros que lutaram na Guerra Civil. Ao contrário da celebração dos derrotados, que fica em Arlington, a dos vencedores foi colocada num bairro predominantemente negro de Washington. George Bush conseguiu o que nunca imaginou: homenagear a tropa dos “soldados de cor” no Memorial Day.

Até 1948 os combatentes negros eram enterrados no cemitério de Arlington em dois lotes segregados. Hoje, quem vai a esse comovente pedaço de mundo para visitar o point turístico da sepultura de John Kennedy passa pelo túmulo do general Daniel James, piloto do esquadrão de negros que combateu na Segunda Guerra. Em janeiro, os sobreviventes dessa tropa foram colocados num lugar de honra na posse de Barack Obama.


Elio Gaspari é jornalista.

Fonte: Gazeta do Povo

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