Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - A um grupo chamado de "intelectuais", selecionados sabe-se lá por quem, o presidente Lula repetiu o mote milenar do cidadão espanhol que, perguntado se acreditava em bruxas, respondeu: "Não creio nelas, mas que existem, existem"...
Porque entre mil e um conceitos expressos diante de indagações que mais pareciam discursos, o presidente negou outra vez que vá disputar o terceiro mandato, mas acrescentou estar preocupado com a continuidade das políticas públicas criadas em seu governo.
Traduzindo: a primeira parte da oração é anulada pela segunda. O Lula não disputa, mas exige a continuação de suas metas, seus propósitos e seus objetivos. Objetivo que talvez só seja alcançado pelo terceiro mandato.
Ora, caso Dilma Rousseff não se afirme como candidata, pelo menos em condições de ganhar a eleição, e se nenhum outro companheiro apresentar perspectiva de vitória, o que fará o presidente para assegurar a permanência das políticas públicas de seu governo?
Convencer José Serra, depois de velho, a mudar concepções políticas e administrativas será perda de tempo. Esperar que Ciro Gomes ou Aécio Neves venham a polarizar as forças governistas implicaria em dissolver o PT, que não admite a hipótese por julgar todo não-companheiro inconfiável.
Logo, tanto para o PT salvar-se da débâcle que seria a perda do poder quanto para o presidente Lula ver consolidadas as políticas públicas que criou, abre-se uma única saída: o terceiro mandato.
Quem quiser que negue a lógica desse raciocínio com base nas negativas do chefe do governo, mas os rios continuam correndo para o mar. Cairão as máscaras na hora em que as premissas se tornarem inevitáveis, a começar pela certeza de que o PT não dispõe de outro candidato senão ele. Porque entregar o poder aos tucanos ou, mesmo, a outras penosas, os companheiros jamais aceitarão.
Pelo menos, sem buscar o último artifício possível, aliás, bem simples: um plebiscito a se realizar no primeiro semestre do ano que vem e a aprovação pelo Congresso da emenda constitucional decorrente. Sem faltar, é claro, o convencimento do personagem principal de que suas preocupações se transformarão em pesadelo caso não se disponha ao sacrifício de mais uma eleição...
Fecha-se o círculo
No caso, em torno do ex-ministro José Dirceu. A Polícia Federal vai ouvi-lo a respeito de supostas ligações com o ex-prefeito de Juiz de Fora, Alberto Bejani. Gravações de som e imagem revelam o indigitado renunciante anunciando encontro com o ex-chefe da Casa Civil no dia em que, por coincidência, ele se encontrava na cidade para uma palestra. Cifras são referidas, com base em comissões.
Dirceu, pelo menos, está na obrigação de desmentir formalmente aquilo que vem fazendo através da imprensa, ou seja, que jamais viu Bejani. Será palavra contra palavra, mesmo sem acareação, mas com o adendo de que o ex-prefeito, para livrar-se de penas maiores, poderá colaborar.
A propósito, uma pergunta começa a pairar sobre Brasília: e o processo contra os quarenta mensaleiros, entre eles José Dirceu, tramitando no Supremo Tribunal Federal? O ministro relator anda adoentado, sofre de problemas de coluna, mas, de pé ou sentado, parece continuar em pleno uso da caneta.
Todos os réus já depuseram, apresentaram defesas, testemunhas foram ouvidas e os processos encontram-se prontos para conclusões, isto é, para serem apreciados pelo plenário da mais alta corte nacional de Justiça.
Mais confiável?
Circula versão de que o presidente Lula gostaria de ver na presidência do Senado o seu líder Romero Jucá, do PMDB. No caso, é evidente, de o PT não conseguir furar a blindagem do maior partido com maior bancada na casa, obtendo a indicação em troca da escolha de um peemedebista para presidente da Câmara. Lealdade é o que não falta para Jucá, em seu relacionamento com o Palácio do Planalto.
Tião Viana é o candidato do PT, no Senado. Michel Temer do PMDB, na Câmara, mas em política nem tudo consegue ficar arrumadinho por muito tempo.
As cartas poderão ser embaralhadas, porque entre os senadores do PMDB nem tudo parece claro para Romero Jucá. Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon, Mão Santa e outros insurgem-se contra uma hipotética candidatura do líder. E no governo existe quem não confie tanto em Tião Viana, por conta de sua independência. Já deu provas disso quando assumiu interinamente a presidência, depois da renúncia de Renan Calheiros.
Na Câmara, o chamado baixo clero costura a candidatura de Ciro Nogueira, que poderia contar com o apoio do PT, caso, no Senado, fosse negado espaço ao partido. Convém aguardar, em especial o resultado das eleições municipais de outubro.
Único na História
O presidente Lula costuma repetir que nunca na História do Brasil alguém realizou inúmeros objetivos, como ele. Só o futuro dirá, mas num detalhe, pelo menos, o presidente tem razão, mesmo nunca tendo lembrado de público. É o primeiro governante, desde a Independência, que dispõe apenas de diplomatas nos cargos de embaixador junto a entidades e a governos estrangeiros. Nem um único deles encontra-se fora da carreira. Os últimos, Tilden Santiago, em Cuba, e Paes de Andrade, em Portugal, faz muito que se viram rifados.
Ao longo dos tempos os dois imperadores, os regentes, os presidentes da República e até as juntas militares sempre nomearam embaixadores de origens diversas. Políticos, intelectuais, militares, até jornalistas ocuparam embaixadas. Pela primeira vez o Itamaraty emplacou todas, graças, certamente, ao zelo do chanceler Celso Amorim.
Nos Estados Unidos é ao contrário. As embaixadas, de um modo geral, servem para contemplar aliados políticos do presidente, empresários ou ex-parlamentares. Na maioria dos países, aplicam-se fórmulas mistas.
Será corporativismo ou, no reverso da medalha, aprimoramento do serviço diplomático? Tanto faz, mas importa registrar que isso jamais aconteceu. Até mesmo o Ministério da Guerra (do Exército) e o Ministério da Marinha foram ocupado por civis, no caso Pandiá Calógeras e Raul Soares, no governo Epitácio Pessoa.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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