Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Faz meses que o preço do barril do petróleo sobe feito nave espacial. Por conta da elevação, o planeta treme. Aumentam os preços dos alimentos, multiplicam-se a fome e o desemprego, cai a produção industrial e desvaloriza-se o dólar. Sem falar no desprezo absoluto das nações ricas para com os crescentes problemas das nações pobres.
O problema é que ninguém, até hoje, produziu uma análise satisfatória sobre as causas do fenômeno. Alegar que tudo se deve à sabotagem nos poços e nas tubulações do Iraque não dá. Afinal, aquele país havia minimizado e até paralisado suas exportações nos anos finais de Saddam Hussein, tendo a extração e a distribuição voltada com a invasão pelas tropas americanas. Melhor dizendo, a invasão aconteceu precisamente para que a produção fosse retomada, agora sob nova direção, favorecendo empresas americanas e congêneres.
Seria o aumento dos preços do barril causado por maior consumo de combustível no mundo inteiro? Também não, porque, apesar do jogo de cena, a Opep sempre atende às exigências do mercado, aumentando sua produção.
Greve dos funcionários e trabalhadores das empresas petrolíferas? Nem pensar. Uma parte ganha muito bem, a outra se consola com o trabalho escravo, se a alternativa for o desemprego.
Manobra dos Estados Unidos para estrangular a Venezuela, substituindo o petróleo importado daquele país por outras fontes e levando a República Bolivariana à bancarrota? Esse poderia ser o desejo dos ainda donos do poder lá de cima, mas nem eles parecem capazes de sobrepor interesses políticos a interesses comerciais. Detestam Hugo Chávez, mas necessitam do seu petróleo. Como a recíproca também surge verdadeira. Então, por que o deslavado crescimento dos preços, que faz balançar todos os continentes?
Só há uma explicação: a especulação ditada pelo medo. A indústria petrolífera sente estar terminando seu ciclo, tendo em vista o esgotamento das reservas de combustível fóssil localizadas à flor da terra, quer dizer, baratas. É inexorável a substituição pelo combustível renovável, vindo da biomassa, produzido a preços bem inferiores.
Sendo assim, optaram por tirar o máximo do petróleo, enquanto ainda podem, esquecidos de que, com sua avidez, contribuem para a mais rápida substituição da matriz energética mundial. Dão de ombros se esse comportamento egoísta condena à fome e à miséria bilhões de seres humanos, atrasando o desenvolvimento que, para eles, resume-se às suas contas bancárias.
Motivos para Lula ter faltado
Apesar de comprometido, o presidente Lula decidiu faltar à solenidade de inauguração do seminário sobre os vinte anos da Constituição, realizado no Congresso. Mandou o vice José Alencar em seu lugar. Com certeza funcionou o serviço de informações do Palácio do Planalto, dando conta de que o presidente do Senado, Garibaldi Alves, aproveitaria a oportunidade para novo e contundente pronunciamento contra as medidas provisórias.
Foi o que aconteceu. O senador pelo Rio Grande do Norte não teve meias palavras. Explicou que seria uma descortesia falar o que falaria na presença do presidente Lula, "mas como, graças a Deus, ele não veio", tinha certeza de ser o vice-presidente "mais compreensível". José Alencar riu meio amarelo, mas agüentou firme.
Garibaldi salientou dever-se a inclusão das medidas provisórias na Constituição à necessidade de redução do poder imperial da ditadura, exercido através dos decretos-leis. Só que a emenda saiu pior do que o soneto. Afinal, os decretos-leis tinham suas limitações.
Lembrou que das 127 sessões deliberativas do Senado, ano passado, 89 tiveram a pauta trancada, não puderam ser deliberativas por força das medidas provisórias. Como ficar calado diante dessa hipertrofia do Executivo? A hora era do "basta". A sociedade civil e o Congresso, acima das diferenças partidárias, defendem a independência do Legislativo, que precisa reaprender a votar projetos de lei. Mostrou-se otimista na aprovação de projeto impedindo o trancamento de pauta por medidas provisórias, na Câmara e no Senado.
Sem dúvida, seria constrangedor para o presidente Lula ter ouvido de corpo presente o desabafo do presidente do Congresso.
O filé e o osso
Choca o País inteiro o simples fato de ter sido defendida, na Comissão de Infra-Estrutura do Senado, a possibilidade da compra, por novas empresas, apenas da "parte boa" de empresas falidas, ficando os débitos tributários, civis e trabalhistas, fora de suas atribuições. Trata-se de verdadeiro atentado ao bom direito, uma negação do mais elementar conceito de eqüidade, até com o beneplácito de juízes e de tribunais. Cresce no País a concepção de valerem mais as amizades, o compadrio, a corrupção e o jeitinho destinado a atropelar o bom senso.
A elucidação do escândalo da venda da Varig, objeto da sessão no Senado, precisaria começar pela denúncia desse esbulho ao fisco, aos credores habilitados e aos empregados demitidos, mas a maioria parlamentar do governo pensa diferente. Na ânsia de blindar o presidente Lula, a ministra Dilma e auxiliares, os senadores da base oficial fizeram ouvidos moucos à abominável separação de competência, preferindo debater a proibição constitucional de empresas estrangeiras deterem mais do que 20% do capital e do controle de empresas nacionais de aviação.
Ora, o que vem sendo permitido cada vez com maior desfaçatez no mundo dos negócios é a facilidade com que se dividem empresas em má situação, o filé comprado por espertinhos, o osso deixado para os credores.
Tempos atrás se formou no Congresso um movimento destinado a extinguir a Justiça Trabalhista. Era coisa de elitistas, malandros uns, ingênuos outros. Felizmente a proposta não prosperou, pelo menos na teoria. Só que a prática, agora, revela o seu sucesso. Aquilo que os juízes do Trabalho e seus tribunais decidem vem sendo revogado por tribunais e juízes cíveis. Sem a sociedade perceber, está extinguindo a Consolidação das Leis do Trabalho, os direitos sociais que restaram e, acima de tudo, a obra de Getúlio Vargas.
Quem não faz, leva...
A lição é do saudoso Gentil Cardoso, o mais singular dos técnicos de futebol, autor de duas recomendações tão singulares quanto eficientes: "Quem pede tem preferência" e "quem não faz, leva".
Vamos ficar na segunda, válida para o futebol, na medida em que se um time não avança e se fica na retranca, o natural é que perca a partida, pois o adversário se aproveita. Vale seguir até o plano das relações internacionais. Semana passada o Departamento de Estado, nos Estados Unidos, divulgou documento assinado pela secretária Condoleezza Rice acusando o Brasil de estar crescendo economicamente graças ao trabalho escravo, especialmente na produção do etanol.
Era para o Itamaraty, no mínimo, haver protestado oficialmente, já que se tratou de um documento oficial. Convocar o embaixador americano em Brasília para ouvir uma reprimenda, ou até convocar o embaixador brasileiro em Washington para consultas.
Nada foi feito, pelo menos que se soubesse, quando a essência do protesto precisaria ser pública, como foi o tal documento intitulado "Relatório sobre o tráfico de pessoas". Muito menos o presidente Lula reagiu, mesmo em dias onde não se cansa de criticar as nações ricas que subsidiam seus produtos agrícolas.
Quem não faz, leva, e o que aconteceu esta semana? Nos Estados Unidos, jornais como o "New York Times" e o "Washington Post" endossaram a mentira americana e publicaram editoriais verberando o "trabalho escravo" no Brasil, como se fosse generalizado e permanente.
Bem que poderíamos ter denunciado o trabalho escravo de milhares de mexicanos nas plantações de algodão da Geórgia e outros estados, ou, mesmo, referido às torturas infringidas a cidadãos árabes na base militar de Guantánamo, mas, como não atacamos, estamos sendo atacados...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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