Por: Leandro Fortes (Carta Capital)
Acusado de usar um amigo como testa-de-ferro, ACM parte para a ofensa
O reinado carlista na Bahia, quase sempre sob controle, vive momentos de grande alvoroço às vésperas do período eleitoral. À decisão do PSDB local de não se aliar ao PFL dominado pelo senador Antonio Carlos Magalhães juntou-se mais uma saraivada de denúncias que envolvem o clã de ACM. No olho do furacão está o publicitário preferido do senador, Fernando Barros, dono da Propeg e das principais contas publicitárias do governo da Bahia e dos fiéis seguidores do carlismo. Acusado pelo deputado estadual Emiliano José, do PT, de usar Barros como testa-de-ferro em negócios escusos, ACM reagiu com a virulência de costume: chamou o adversário de "canalha" e, é claro, botou a mãe no meio. Iniciou-se, então, uma troca de insultos, via fax, com papéis timbrados da Assembléia Legislativa da Bahia e do Senado Federal.
Farpas.No diálogo de alto nível que se seguiu à denúncia, sobrou até para a mãe do deputado EmilianoEmiliano também levantou, junto à Secretaria de Fazenda da Bahia, que Antonio Carlos Magalhães Júnior, filho e suplente de ACM no Senado, era sócio de pelo menos duas empresas ligadas a Fernando Barros. ACM Júnior, aliás, segundo cadastro da mesma secretaria, aparece como sendo ou tendo sido sócio de 54 empresas no estado. Apesar da documentação apresentada pelo deputado petista, o senador Antonio Carlos, de Brasília, vociferou por meio de um fax. Negou ter sociedade com Fernando Barros, assim como o filho, Júnior. E mandou ver: “Inclusive, se o sr. encontrar alguma cota, passo-as para a senhora sua mãe, a fim de que lhe sirva como herança no seu triste fim de vida”. A resposta de Emiliano veio no mesmo tom. “Não me ameace porque, se não tive medo de quando Vossa Excelência era um rastejante bajulador que se escondia por trás da ditadura militar, quanto mais agora, que não é mais que um ex-coronel fracassado, que saiu pela porta dos fundos para não ser cassado”, escreveu o deputado petista. “Não cite minha mãe em sua boca suja, nem minta sobre a presença do nome de seu filho Antonio Carlos Peixoto Magalhães Júnior.” O que primeiro despertou a ira de ACM foi um pronunciamento de Emiliano, na quarta-feira 26, no plenário da Assembléia, contando a história de uma suposta negociata. De posse de diversos documentos, o parlamentar relatou que, em 1999, uma empresa de Fernando Barros tornou-se dona de uma área de 230 mil metros quadrados no litoral da Bahia, na região da Base Naval de Aratu, próximo a Salvador. A empresa dele envolvida no negócio, conhecida como Grupo TPC (Terminal Portuário Cotegipe), tomou posse do lugar, após incorporar uma outra companhia, a Creso Amorim, esta, sim, vencedora da licitação anterior da área. Os terrenos envolvidos estão situados em pontos geográficos de nomes emblemáticos: “Ponta do Fernandinho” e “Ponta do Criminoso”. No ano seguinte, em outubro de 2000, a TPC começou a negociar com a empresa Moinhos Dias Branco uma sociedade para implantação e exploração do terminal portuário. Para tal, prometeu vender o terreno concessionado à Creso Amorim. A promessa de venda feria o contrato de concessão firmado com a Marinha, mas isso não foi levado em conta. Para tal, chegou-se a uma solução mirabolante: o estado da Bahia resolveu comprar a área da TPC por intermédio da Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Sudic). Trata-se de uma negociação estranha com terras públicas da União. A compra foi feita em três fases, a partir de 14 de agosto de 2000, e resultou na transferência, sem qualquer licitação ou concorrência pública, de áreas adquiridas pelo governo baiano para a iniciativa privada. A primeira fase englobou uma área de 81.885,34 metros quadrados, adquirida pelo estado da Bahia por 663 mil reais. Em 7 de maio de 2001, a Sudic revendeu o mesmo terreno para a Moinhos Dias Branco – em sociedade com a TPC de Fernando Barros – por 22,6 mil reais. Apenas nessa operação, os cofres baianos tiveram um prejuízo estimado de 640,3 mil reais.
Digitais.O deputado Emiliano José exibiu documentos que apontam vínculos da família de ACM com empresas de Fernando BarrosOutras duas transações, firmadas nos dias 5 e 15 de abril de 2002, resultaram numa transferência de terras para a dupla TPC - Moinhos Dias Branco de 395 mil metros quadrados – ou seja, 165 mil metros quadrados ou 72% acima da área inicialmente concedida para o terminal portuário. Um tipo peculiar de negociação de terras públicas que não passou incólume aos olhos da Gerência de Patrimônio da União, onde um processo foi aberto para se argüir a nulidade da alienação do terreno, ocorrida em área de domínio pleno da Marinha. O grupo de Fernando Barros também passou a atuar na exploração do terminal portuário vizinho ao de Aratu, conhecido como Porto de Ponta da Laje. O terminal foi um empreendimento construído, por 24 milhões de reais, pelo governo da Bahia para garantir a presença da multinacional Ford no estado. É por lá que a montadora exporta os veículos produzidos na fábrica de Camaçari, a 45 quilômetros de Salvador. Lá, a TPC opera como provedora logística da Ford. Nos últimos cinco anos, o Grupo TPC ramificou-se em uma grande quantidade de empresas. Entre elas: C. Port Porto Cotegipe, Terminal Portuário Cotegipe, TPC Operador Logístico, Pronto Logística, Pronto Express, Pronto Express Logística, Porto Cotegipe Logística, Cosmo Express e Modal Serviços Retroportuários, todas sócias entre si. Esse expediente pode ser usado para dificultar o rastreamento contábil e fiscal de grupos empresariais. Mas é justamente na análise dessas companhias que se acha uma ligação ainda mais explícita entre Fernando Barros e o clã dos Magalhães. Até 2003, um dos filhos do senador ACM, o professor Antonio Carlos Magalhães Júnior (pai do deputado ACM Neto, do PFL), era sócio de duas das empresas englobadas pelo Grupo TPC: a Cosmo Express e a Pronto Express. Compradas por Fernando Barros, as empresas deixaram, imediatamente, de ter o nome de ACM Júnior no quadro societário. Suplente do pai no Senado Federal, Júnior chegou a ser titular do mandato quando, em 2001, ACM renunciou para não ser cassado por envolvimento na quebra ilegal de sigilo do painel eletrônico da Casa. A última investida do Grupo TPC foi também em 2003, quando tentou levar para o Terminal Portuário de Cotegipe todo o escoamento de grãos, sobretudo soja, produzidos na Bahia. O grupo de Fernando Barros tentou derrotar, na Justiça, a empresa multinacional Bunge Alimentos, vencedora da concorrência pública realizada pela Companhia de Docas da Bahia (Codeba). Pelos termos do contrato, a Bunge ganhou o direito de exportar os grãos baianos pelo Porto de Aratu. A TPC perdeu, mas o senador César Borges (PFL-BA), governador do estado na época de todas as transações do Grupo TPC, garante que tudo não passa de “tramóia do PT”. O discurso de Borges é afinado com o de ACM, de resto, chefe político dele, do atual governador da Bahia, Paulo Souto, e de todo o PFL baiano. No segundo fax enviado ao deputado Emiliano José, além de nova referência à mãe do parlamentar, Antonio Carlos foi direto ao cerne da questão. Destilou fel ao referir-se à Bunge, segundo ele, “multinacional que deseja o monopólio da produção de grãos, a fim de prejudicar os verdadeiros produtores baianos”. Segundo o senador, o PT baiano teria se valido do contrato com a Bunge para se locupletar. O troco de Emiliano, chamado outra vez de “canalha”, veio de bate-pronto. “Canalhice é a sua triste história política que envergonha a Bahia”, escreveu o deputado. “Lambe-botas dos militares, enriqueceu à custa de recursos públicos”, disparou. O grupo carlista tem outro desafio, além do de responder às acusações de irregularidade na administração pública estadual. Capitaneado pelo deputado Jutahy Magalhães Júnior, o PSDB baiano decidiu se aliar ao PDT, partido do prefeito João Henrique, filho do candidato da sigla ao governo, o ex-governador e ex-aliado de ACM, João Durval. Paulo Souto declarou que, caso seja hostilizado pelos tucanos da Bahia, poderá, isoladamente, não apoiar a candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência. Mas, como tudo no PFL baiano, a reação de Souto vai depender mesmo da vontade do senador Antonio Carlos. Além disso, outro fato recente serviu para aumentar o embaraço do clã dos Magalhães. O Correio da Bahia, jornal da família de ACM usado, sem camuflagem, para detonar desafetos políticos e pessoais do senador, foi condenado a pagar 3 mil salários mínimos (mais de 1 milhão de reais) ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral baiano, desembargador Carlos Alberto Cintra. Acusado de “dono do Judiciário prostituído” por ACM, Cintra tornou-se alvo do senador ao interromper, há duas eleições, a influência do pefelista dentro do Tribunal de Justiça da Bahia. No último pleito, o desembargador Benício Figueiredo foi eleito com o apoio de Carlos Alberto Cintra, após vencer, com larga diferença, o desembargador Eduardo Jorge Magalhães, irmão de ACM. Na sentença que condenou o Correio da Bahia, o juiz Clésio Carrilho Rosa assinalou: “Por motivos estranhos, ocultos e alheios aos autos, o periódico (Correio da Bahia) demonstra pretender atacar, abertamente, a figura, a imagem e a honra de integrantes do Poder Judiciário baiano”.
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