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domingo, junho 18, 2006

O sistema político está podre

Por: Nelson Breve (Carta Maior)

A corrupção tem muita semelhança com as doenças contagiosas. Pode estar presente em qualquer lugar. Seus agentes estão sempre rondando organismos saudáveis e impregnando ambientes desprotegidos. Ela testa as resistências, procura vulnerabilidades e, quando a guarda baixa, captura sua vítima sem piedade. O desejo e a ambição proporcionam o clima ideal para sua propagação. Sexo, poder e dinheiro são sua base de alimentação.O sistema de representação político-partidária do Brasil está podre. Não adianta trocar as frutas, porque o foco de contaminação está no cesto. Historicamente, as campanhas eleitorais são financiadas por quem tem interesse em negócios que os governos municipais, estaduais ou federal podem prejudicar ou favorecer. Portanto, quem manda no Erário, nas licitações, nas regulamentações, nas decisões estratégicas e na fiscalização da sociedade tem mais facilidade para arrecadar recursos de campanha e arregimentar apoios.As contrapartidas desses apoios podem ser legítimas ou ilegítimas. Legais ou ilegais. Morais ou imorais. Éticas ou antiéticas. Explicáveis ou inexplicáveis. Mas é sempre bom ter em mente que não existe almoço grátis. Alguém está fazendo um investimento a fundo perdido na expectativa de ter o retorno em algum momento futuro – ou recompensando algum favor obtido no passado. E os ciclos eleitorais fazem todos perderem de vista o ponto de partida: o apoio financeiro na campanha é para agradecer alguma ajuda ou adiantamento por algum favor a ser prestado?A partir daí, são construídas redes de solidariedade, que se transformam em forças de apoio, que montam grupos operacionais, que organizam estruturas, com vistas a disputar e acumular mais e mais poder. Dentro de uma organização partidária, no Estado ou na sociedade. Isso é assim desde o início da civilização. Em alguns períodos prevalece a força física, em outros a intelectual, em outros a potência bélica, em outros a potência de difusão e em outros o poder econômico.Quando se olha para o quadro de doadores de campanha, verifica-se que as empreiteiras de obras públicas (grandes, médias e pequenas) são as principais doadoras junto com os bancos. O que elas querem? Ganhar licitações de obras novas ou receber pela construção de antigas, tendo o maior lucro possível para disputar obras mais rentáveis. O que os bancos querem? Não ser surpreendidos com decisões que diminuam seu patrimônio e lucrar o máximo com a intermediação financeira.O que querem os fornecedores de programas de informática, serviços terceirizados, equipamentos diversos, combustíveis, automóveis, papel, café e sabe-se lá mais o quê? Querem vender para o Estado, que quase sempre é um ótimo cliente, tendo o maior lucro possível. O que querem as empresas capitalizadas por fundos de pensão de estatais? Continuidade ou aumento do apoio financeiro para investimentos ou exibição de robustez, que resulte na expansão dos negócios, gerando mais lucros.A partir da redemocratização do país, com o passar do tempo, as campanhas eleitorais foram ficando cada vez mais caras. Pesquisas, analistas, marqueteiros, logística, material gráfico, comunicação, brindes, bandeiras, camisetas, combustível, transporte, alimentação, cabos-eleitorais, propaganda etc. E o sistema de voto uninominal (quando o voto no candidato organiza a ordem de eleitos) nas eleições para deputados e vereadores, complica mais a situação, pois coloca os candidatos de um mesmo partido ou coligação disputando uns contra os outros, em uma campanha antropofágica.O ciclo que aproxima poder e corrupção não tem fim. Recursos públicos e privados abastecem as tesourarias dos grupos políticos, que, estando no poder, ajudam seus patrocinadores a abrir passagem no caminho de acesso aos recursos públicos e privados. Ajustando o ciclo, pode-se dizer que os grupos políticos recorrem aos recursos dos financiadores de campanha para permanecer ou alcançar o poder, o que lhes permite abrir passagem para que os patrocinadores sejam recompensados com o acesso aos recursos públicos e privados.Para exercer o poder no Estado Republicano é preciso compor maiorias legislativas. Desde que foi restabelecida a democracia no país, nenhum agrupamento político conseguiu formar maioria parlamentar sem o auxilio de coalizões. Hoje, nenhum partido consegue eleger mais do que 20% dos representantes do povo no Congresso Nacional.A formação das maiorias exige a partilha do poder entre grupos distintos. Às vezes, antagônicos. Em governos anteriores tal partilha tinha como base as estruturas de ministérios, com suas respectivas empresas estatais e fundos de pensão. Loteava-se o governo em áreas, e cada partido ou agrupamento político operava seus esquemas de financiamento no interior dos respectivos feudos.A operação dos esquemas passa pelo preenchimento dos cargos locais, que atuam no varejo dos municípios e estados. Estabelecendo a ligação de clientelismo com prefeitos, vereadores, deputados estaduais, organizações sociais e o empresariado local. E passa, também, pelo preenchimento de cargos estratégicos da administração federal, que atuam no atacado. Comando de órgãos repassadores de recursos, diretorias financeiras de estatais, áreas responsáveis por contratações de grande porte e áreas de fiscalização.A relação de clientelismo no atacado transforma grandes fornecedores em potenciais financiadores das estruturas partidárias nacionais – dirigentes e bancadas no Congresso. A coleta e o repasse são feitos por tesoureiros invisíveis, que, muitas vezes, estão enraizados na própria estrutura do Estado. E é difícil substituí-los, pois eles têm extrema mobilidade para obter apoios suprapartidários. Essa suposta configuração imaginária de nível nacional se reproduz na mesma proporção nos estados e municípios. A partir de um relatório apresentado por especialistas em administração pública ligados ao PT, logo após a vitória de Lula na eleição de 2002, a cúpula do novo governo decidiu romper com essa lógica. A ordem era manter os cargos estratégicos nas mãos de pessoas de confiança do partido e dividir com os aliados os menos relevantes. Era a partilha horizontal da administração, que pode ter sido o movimento que desencadeou o processo de desestruturação das máquinas arrecadadoras dos agrupamentos políticos que estavam na coalizão do governo anterior e decidiram permanecer após a troca de comando federal.Ao separar os grupos políticos de seus financiadores, o governo colocou em risco a formação da maioria parlamentar. O escândalo do mensalão pode ter sido o subterfúgio para compensar as perdas, que reduziriam a competitividade dos aliados de ocasião nas disputas eleitorais nos municípios, em 2004. A tentativa de substituição de um tesoureiro invisível, enraizado desde o governo anterior, que vinha escorado em dirigentes do PT, do PP, do PL, do PMDB e até em ilustres tucanos e pefelistas, pode ter sido a gota que transbordou o balde, revelando como as coisas funcionam há muito tempo na política e na administração pública. Esse sistema podre vai permanecer qualquer que seja o resultado da eleição deste ano. No mínimo, será restabelecida a partilha vertical, que é mais eficaz para acobertar os esquemas. O presidente eleito ou reeleito precisa ter em mente que só uma reforma política ampla e séria pode remover a nódoa que impregnou a sociedade com o cheio infecto da corrupção. Essa reforma começa, no mínimo, com o financiamento público exclusivo de campanhas e o voto em lista partidária fechada. Mas deve incluir, também, uma reforma do Estado para torná-lo mais transparente e permeável à participação democrática da sociedade organizada

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