Por: Eclesalia *
Adital - Por Xabier PikazaMuitas vezes, na Bíblia, os números têm um valor simbólico vinculado à ordem da criação, na perspectiva do tempo (sete dias, sete astros), do espaço (sete pontos cardeais) e da organização social (doze tribos...). Especial importância recebe o seis, relacionado com as obras de Deus e com os dias de trabalho da semana transcendidas no sábado, que está além de todo número (o sete é de Deus). Nesse sentido, humanamente falando, os judeus somente contam até seis, pois todas as coisas deste mundo são seis. O sete pertence a Deus. Por isso, não se junta com os seis anteriores, que são números humanos.
Uma parte considerável da especulação dos livros apocalípticos judeus (como os livros de Daniel, 1 Enoc e Jubileus) e, em especial, de alguns textos do Qumrán está relacionada com cálculos numéricos e fixação de tempos sagrados. No Novo Testamento, o livro que mais tem insistido nos números é o Apocalipse. Este é o sentido de alguns de seus números:
Um. Significa excelência e autoridade e pode ser aplicado a Deus (que É, Era e que Vem: Ap 1, 4.8) e a Cristo (Primeiro e último..: Ap 1, 17; 2, 8; 22, 13).
Dois. Implica cooperação, tanto positiva (nos profetas: Ap 11, 1-13) como negativa (nas bestas: Ap 13, 1-18).
Três e meio (= metade de sete) é o tempo que passa, momento breve de perseguição dos fiéis. Partindo de cálculos tomados de Dan 7, 25; 12, 7, João o identifica com um tempo (=ano), dois tempos e meio tempo: os 42 meses ou 1260 dias simbólicos da crise final (Ap 11, 9-13; 12, 14).
Quatro. É o mundo perfeito e perigoso: quatro são os Viventes do céu (4, 6.8; 5, 6 etc.), os cavalos destruidores da história (6, 1-8), os elementos cósmicos (8, 7-12; 16, 1-9), os ângulos do mundo com seus anjos e ventos (7, 1-3; cf. 9, 14-15; 20, 8), o mesmo que os cornos do altar (cf. 9, 13) e os ângulos ou muros da Cidade nova (21, 16).
Seis. É a imperfeição do mundo (do ser humano), que, opondo-se ao sete de Deus e de seu Messias, acaba encerrando-se a si mesmo em violência destruidora. É o número da Besta: 6.6.6 (Ap 13, 18) e do 6º imperador, que agora reina (após os cinco passados), sendo incapaz de permanecer, pois não pode tornar-se sete (cf. 17, 10-11).
Sete. É a plenitude divina que se expressa nos espíritos (Ap 1, 4; 3, 1; 4, 5; 5, 6), anjos (1, 20; 8, 2. 6), candelabros (1, 12.20; 2, 1), astros (1, 16.20; 2, 1), igrejas (1, 4.11.20) e nos cornos e olhos do Cordeiro, que refletem seu poder (5, 6). Sete são também os acontecimentos finais que marcam o juízo de Deus sobre o mundo: os selos (5, 1.5; 6, 1), as trombetas (8, 2.6), os trovões (10, 3.4) e as taças destruidoras (15, 1.6.7). Há também um sete negativo que se expressa nas cabeças do Dragão e da Besta (12, 2; 13, 1; 17, 3.7), nas colinas (de Roma) que formam o assento da Prostituta, nos reis perversos da história (17, 9) e, sobretudo, no 7º imperador, que permanece pouco tempo…, pois um sete humano é sempre perversão, é idolatria. Quando este imperador desapareça, voltará como oitavo um dos anteriores, porém Cristo o destruirá (17, 10-11).
Dez. É o número do poder perverso: os cornos do Dragão e da Besta (13, 3; 13, 1; 17, 3.7), os reis da terra (17, 12.16) e os dias de provação que Daniel e seus companheiros padecerão porque não aceitam a comida impura do império (2, 10). Opõe-se provavelmente ao doze da perfeição israelita e cristã.
Doze. Número perfeito dos Zeus, como mostram as estrelas da coroa da Mulher (12, 1), e da história messiânica, que se expressa pelos filos de Israel e pelos apóstolos do Cristo, vinculados aos anjos de Deus e aos cimentos e portas da Jerusalém perfeita (21, 12-14), com suas medidas e pedras preciosas (21, 16.21). Desde esse fundo devem ser entendidos seus múltiplos: os 24 Anciãos (dois vezes doce) que formam a corte de Deus (4, 4) e os 144.000 triunfadores (doze mil vezes doze mil) do Monte Sião (14, 1; cf. 7, 4).
Mil. É o signo de uma grande multidão (milhares de milhares formam a multidão incontável dos anjos 5, 11). Emprega-se de um modo especial para indicar o milênio: os anos do tempo de reino dos eleitos; frente ao breve três e meio da perseguição se eleva o mil de glória dos eleitos (20, 2-7).
Seis, seis, seis. Sentido básico do número
A partir do que se coloca anteriormente, pode-se interpretar melhor o Número da Besta, que é um número muito concreto, vinculado à vida econômica do império, à injustiça dos ricos. Assim, se diz que o Falso Profeta, que é a propaganda (filosofia, religiões, meios de comunicação), que se põem a serviço da primeira Besta, "também fez com que todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, livres e escravos levassem gravada uma marca na mão direita ou na fronte. E somente quem levava gravado o nome da Besta ou a cifra de seu nome poderia comprar ou vender. Aqui se deve aplicar a sabedoria. Quem se sinta inteligente, tente decifrar o Número da Besta, que é o número humano: seis, seis, seis" (Ap 13, 16-18).
Esse é o texto básico, que continua nos fazendo pensar e sofrer. A identidade da Besta e o possível sentido cifrado de seu número (6-6-6) tem sido e continua sendo tema apaixonante de estudo e adivinhação para estudiosos e curiosos (especialmente para curiosos). Como veremos, em sua origem, deveria ser (e é) um número bastante fácil de entender para os cristãos das sete igrejas as quais se dirige o livro do Apocalipse (cf. Ap 2-3). O conhecimento desse número servia para manter o compromisso cristão: não era objeto de erudição abstrata, mas de experiência de cada dia.
Esse número da Besta não podia aludir a uma qualidade interior, ou a um pecado espiritual, pois vai associado a comprar e vender, no âmbito social e econômico. Não aludia tampouco a um acontecimento ou sucesso imprevisível que não se pode evitar, vinculado com a magia ou as aparições astrais, mas à vida social e está relacionado com o dinheiro (comprar e vender), pois aqueles que não levavam a marca da Besta (o seis.seis.seis) não podiam comercializar, nem enriquecer, nem tomar parte de sociedade dominadora dos favorecidos pelo poder romano (cf. Ap 13, 17). A coisa é muito simples: o mesmo dinheiro injusto, o comércio daqueles que se aproveitam do Sistema Romano para comprar e vender e enriquecer às custas dos pobres, é o Seis-Seis-Seis. Segundo esse raciocínio, os que venderam sua alma ao sistema romano levam o signo da Besta. No fundo, é o mesmo que está escrito em Mateus 6, 24 par: a Mamona é Satã objetivado.
Este é o grande paradoxo. Buscamos o número como se fosse algo externo, com grandes adivinhações e teorias esotéricas ou mágicas, como se aquele que soubesse decifrá-lo pudesse resolver problemas superiores. Pois bem, o Apocalipse diz tudo ao contrário: ainda que não queiram adverti-lo ou confessá-lo, todos os que "compram ou vendem" e enriquecem às custas dos pobres levam o número na mão ou na fronte, como se fosse sua carteira de identidade, seu passaporte. Os outros, os que não podem conseguir esse número (ou não querem levá-lo por honradez e opção cristã) estão condenados a ser uns parias, sem direitos, sem oportunidades, como os fiéis da igreja do Apocalipse.
Entendido dessa forma, esse número indica dinheiro e tudo o que se pode comprar por dinheiro: e a marca completa daqueles que assumem o sistema do império. Os fiéis de Jesus conhecem o número, não querem levá-lo, porque é o número da opressão. Esta é a realidade que está no fundo do tema: o Falso Profeta (2ª Besta) oferece a marca da Primeira Besta aos privilegiados da sociedade, para que possam comprar e vender, para bem comum do império (não dos pobres). Nessa linha deve-se entender o 6-6-6, o número mais simples, mais vulgar deste mundo mau: o número dos que se aproveitam do sistema e vivem às custas dos outros.
Recordemos que o império romano quis apresentar-se como primeira sociedade global, capaz de oferecer meios de comunicação entre tribos, povos, línguas e nações (cf. Ap 13, 7). Aparecia como milagre de convivência, âmbito de paz para os homens. Não era uma Nação-estado, mas o Estado-império onde cabiam todas as nações, cada uma com sua própria identidade e diferenças. Esse foi seu "milagre", aquilo que nunca se havia conseguido sobre o mundo, de tal forma que muitos veneraram a Roma como Deusa, como revelação de Deus na história. Por isso, seu Número e signo devia ser a eternidade: a Roma Eterna, sentada no trono das grandes águas (cf. Ap 17, 3). Pois bem, contra essa divinização, resistem e protestam os cristãos, contra ela se eleva o Apocalipse, mostrando através desse Número que, no fundo, Roma não é mais do que um signo de impotência e morte, um número incapaz de oferecer plenitude e salvação aos homens. Os romanos acreditavam-se enviados por Deus (pelos deuses) para fundar e expandir sua ordem divina sobre o mundo, de maneira que eles deveriam ser 7-7-7 (como os astros do céu, como a semana sagrada, como Deus). Contra isso, os cristãos sabem que o número de Roma é um simples 6-6-6, o número de uma criatura má, que quer divinizar-se, oprimindo aos demais, porém que acabará por destruir-se.
Há mais segredos? Decifrar o Número
A identidade básica do número da Besta (seis.seis.seis) é a que acabamos de indicar: é um número de injustiça e morte. Em sentido estrito, nosso argumento poderia terminar aqui. Porém, no mesmo livro do Apocalipse e com a tradição posterior, podemos dar um passo a mais. É muito provável que o próprio autor do livro e seus ouvintes e leitores mais antigos tenham querido jogar com esse número, de um modo humorista, em voz baixa, para consolar-se: este não é um número para dar medo, pelo contrário, é para tirar o medo. É um número para dizer aos cristãos e aos pobres: não se preocupem; esse mesmo imperador que parece divino, esse mesmo império que acredita ser Deus, não são do que simples criaturas impotentes, condenadas à morte.
A partir dessa visão, a questão da identidade mais concreta do Número (666, 6-6-6), aplicado ao nome de algum imperador, torna-se secundária. O importante era o anterior: o seis.seis.seis é a expressão da impotência do império divinizado. Partindo disso, muitos cristãos puderam aplicar em voz baixa esse número a algum dos imperadores, alegrando-se com isso, pois, ao identificar o império/imperador com esse número, estavam dizendo que este tinha os dias contados, que já estava próximo o tempo da libertação dos pobres.
Parece que naquele tempo se podia interpretar sem dificuldade; e mais, é possível que se pudesse aplicar de diversas maneiras, conforme os métodos de gematria (sistema criptográfico que consiste em atribuir valores numéricos às letras), comum naquele tempo. Sem dúvida, seu sentido está relacionado com a lista de reis (imperadores) que, partindo do modelo oferecido por Dan 7, 25-27, o mesmo autor do Apocalipse esboçou mais tarde em seu livro (Ap 17, 11-14). Trata-se de um Número que pode ser calculado seguindo vários modelos de gematria, como faziam, naquele tempo, judeus e helenistas: cada número é uma letra e vice-versa, de maneira que o conjunto pode ser decifrado como código cifrado... A riqueza do tema (e, para alguns, o problema) começa quando se quer dividir 666 (ou 606, segundo outros manuscritos) em possíveis cifras inferiores, utilizando o alfabeto grego ou hebreu (aramaico) para calcular a soma ou sentido de conjunto. As combinações e leituras propostas desde antigamente são variadas e não concordantes. As mais significativas são: Titã Latino, Nero César, Caio (=Calígula) César... Porém, nenhuma conseguiu convencer à comunidade dos sábios exegetas, o qual significa que o segredo se perdeu com o autor e com os destinatários do livro...; ou que não havia tal segredo, pois deixava-se que cada um buscasse as aplicações, sabendo todos que o seis.seis.seis é a expressão e anúncio da queda de um tipo de império destruidor, que eleva os ricos-comerciantes passando por cima dos pobres e que mata os inocentes. Um império desses não pode persistir; esse império é um simples seis.seis.seis… e seu representante pode ser Nero, Calígula… ou simplesmente Roma, imperadores e cidade condenada à morte, para o bem dos pobres do mundo.
É possível que o autor do Apocalipse tenha querido deixar em aberto o tema do sentido concreto do Número. Querendo indicar que se trata somente de um signo e de um número que é puramente humano, finito. Recordemos de novo o sentido de alguns números. A plenitude é Quatro (há quatro viventes, ventos, elementos: Ap 4, 8; 7, 1; 20, 28); a revelação escatológica é Sete (há sete espíritos, candelabros, astros): o número de prova é Três e meio (metade de sete), com seus equivalentes (42 meses, 1260 dias). Assim, o Número do império perverso (que parece divino, porém tem pés de barro manchados de sangue: cf. Dan 2) é um seis repetido, que nunca chega a Sete, que nunca pode alcançar a plenitude.
Por isso, quando dizemos seis.seis.seis… podemos continuar incluindo números de "seis" até o infinito (a repetição tripla do "seis" é indicação de algo que se pode continuar dizendo sem fim). Isso significa que Roma não é Quatro (não é o Cosmos inteiro), nem é Sete (não é Deus). Roma é um simples seis repetido, impotente; um "seis" que destrói àqueles que se apóiam em sua força brutal, porém desumana, em sua riqueza imensa, porém sangrenta. Este é o número daqueles que põem sua segurança no Império, entregando-lhe sua liberdade humana. Os cristãos mais simples sabiam disso e o sabem. Ao contrário, os investigadores ou curiosos que buscam com imensa erudição o sentido mais oculto desse número, podem estar repetindo-o ao longo de toda sua vida sem perceber que põem ter caído sob o poder do 6-6-6, que é a impotência e a violência da finitude; que é a injustiça da história humana. Aqueles que se tornam ricos às custas do medo do seis.seis.seis caíram em sua armadilha. Os que querem se converter o seis.seis.seis em objeto de magia ou de cálculos curiosos perdem seu tempo.
Por isso, todos aqueles que, de um modo ou de outro, querem aplicar o seis.seis.seis a um dia concreto (como o seis de junho de 2006) estão contra a Bíblia cristã. Podem saciar uma curiosidade, porém seu gesto não tem nada a ver com o Evangelho do Apocalipse de João.
* Ciberiglesia, Burgos
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