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domingo, junho 25, 2023

Entenda o tipo de filosofia que acabou levando Sócrates a aceitar a pena de morte

Publicado em 24 de junho de 2023 por Tribuna da Internet

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé de 19 de junho de 2023

Ilustração de Ricardo Cammarota (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

No ano de 399 a.C., o famoso filósofo ateniense Sócrates foi condenado à morte. Ou tomava cicuta ou teria que se exilar de Atenas, o ostracismo, como se dizia, e se tornaria um estrangeiro sem direitos vagando de cidade em cidade. O réu optou pela morte, que na sua opinião era mais honrosa.

A pergunta é: por que Atenas, berço da democracia, da busca de leis criadas por humanos racionais, “cidade luz” na Antiguidade mediterrânea, condenaria um filósofo à morte?

O QUE DIZEM – Respostas imediatas são conhecidas: perversão dos jovens afastando-os dos deuses da polis, afirmação de que os astros eram pedras e fogo e não deuses, retórica a favor de argumentos falsos, fazendo-os parecer verdadeiros, e assim enganar os outros.

Mas, para quem entende um pouco mais acerca da natureza humana, a pergunta persiste: por que uma cidade ilustre como Atenas condenaria um filósofo à morte, enquanto criminosos, corruptos e conspiradores continuavam a fazer parte do poder político e jurídico como cidadãos livres? O fato é que muitos “democratas” são canalhas.

Essa pergunta é fundamental para entendermos o lugar de um certo modo de praticar filosofia no seio das cidades dos homens e das mulheres ao longo da história, até hoje, incluindo o Brasil, que pode levar o filósofo à desgraça.

ATENAS HUMILHADA – Vale salientar que Atenas naquele momento já não vivia os dias gloriosos da democracia. A guerra do Peloponeso que durara de 428 a 401 a.C. terminara com a humilhação de Atenas nas mãos de Esparta.

Uma fonte essencial para entendermos a condenação à morte de Sócrates é o texto “Apologia a Sócrates”, em que seu discípulo Platão dá voz ao mestre para que ele faça sua defesa diante de seus juízes, que acabarão por mandá-lo ao “patíbulo” como um criminoso qualquer.

Todo filósofo tem problemas com o poder? Claro que não. Muitos vivem bem com o poder, o servem, o defendem, ganham a vida graças ao poder — tais intelectuais são conhecidos como orgânicos, porque operam dentro de uma estrutura político-ideológica que determina e limita sua atuação como pensador público. São inúmeros os exemplos ao logo da história.

RESTA A DÚVIDA – Logo, a questão que permanece é: qual tipo de filosofia Sócrates praticava que o levou à condenação à morte?

Se seguirmos o texto de Platão, Sócrates se defende da acusação de ateísmo dizendo que nunca falou contra os deuses da cidade e que creditava, mesmo com sua opção pela condição de filósofo pobre e questionador, à pitonisa de Delfos a afirmação de ser ele o homem mais sábio da Grécia e que tinha por missão questionar os cidadãos para que eles desenvolvessem virtudes públicas — a famosa “areté”.

Missão essa dada por Apolo. Pessoalmente, não creio que seja possível ensinar a virtude a ninguém.

ACUSAÇÕES PÍFIAS – Se olharmos a distância, apesar da defesa de Sócrates, veremos que ele é acusado de afastar os jovens das crenças religiosas tradicionais, acusação esta comumente feita a filósofos ao longo da história. Sócrates seria, então, uma espécie de herege condenado à fogueira.

Mas há uma outra acusação importante a se lembrar: ele seria arrogante ao fazer os cidadãos com quem ele discutia serem humilhados publicamente.

Aqui há um ponto fundamental. Sócrates não acreditou quando a pitonisa disse ser ele o homem mais sábio da Grécia e, portanto, se pôs a conversar com grandes poetas, líderes políticos, grandes retóricos, médicos, famosos artesãos, supondo encontrar sabedoria maior do que a dele, e, descobriu, para sua desgraça, que essas figuras famosas por seu saber mentiam, não sabiam o que diziam saber ou eram simplesmente ignorantes e fingiam não ser.

“NADA SEI…” – Sócrates não assumiu que ele era sábio por causa disso. Lembremos de sua famosa afirmação de que, quanto mais buscava a verdade, mais longe se via dela, mas desnudou a mentira que estava no coração do contrato social de Atenas: os sábios mentiam e, por isso, o caluniaram pela inveja.

 Sócrates mesmo faz menção a essa inveja por parte dos seus inimigos, de vê-lo ser mais sábio do que eles.

Foi esta a prática filosófica que matou Sócrates: desmascarar as mentiras dos “sábios”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Como sempre, muito interessante a reflexão de Pondé, que é um craque da filosofia. Acrescentaria apenas que pesaram muito para a condenação de Sócrates as afirmações de Alcebíades, que acusava o filósofo de soberba, por dormir a seu lado sem trocar carícias sexuais, comuns à época entre homens. Por fim, os juízes (falsos sábios) queriam apenas se livrar de Sócrates, jamais imaginavam que ele aceitaria a sentença de morte. Até tentaram facilitar a fuga dele com apoio do amigo Criton, mas o maior filósofo de todos os tempos se recusou a se evadir. (C.N.)

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