Publicado em 24 de junho de 2023 por Tribuna da Internet
Luiz Felipe Pondé
Folha
No ano de 399 a.C., o famoso filósofo ateniense Sócrates foi condenado à morte. Ou tomava cicuta ou teria que se exilar de Atenas, o ostracismo, como se dizia, e se tornaria um estrangeiro sem direitos vagando de cidade em cidade. O réu optou pela morte, que na sua opinião era mais honrosa.
A pergunta é: por que Atenas, berço da democracia, da busca de leis criadas por humanos racionais, “cidade luz” na Antiguidade mediterrânea, condenaria um filósofo à morte?
O QUE DIZEM – Respostas imediatas são conhecidas: perversão dos jovens afastando-os dos deuses da polis, afirmação de que os astros eram pedras e fogo e não deuses, retórica a favor de argumentos falsos, fazendo-os parecer verdadeiros, e assim enganar os outros.
Mas, para quem entende um pouco mais acerca da natureza humana, a pergunta persiste: por que uma cidade ilustre como Atenas condenaria um filósofo à morte, enquanto criminosos, corruptos e conspiradores continuavam a fazer parte do poder político e jurídico como cidadãos livres? O fato é que muitos “democratas” são canalhas.
Essa pergunta é fundamental para entendermos o lugar de um certo modo de praticar filosofia no seio das cidades dos homens e das mulheres ao longo da história, até hoje, incluindo o Brasil, que pode levar o filósofo à desgraça.
ATENAS HUMILHADA – Vale salientar que Atenas naquele momento já não vivia os dias gloriosos da democracia. A guerra do Peloponeso que durara de 428 a 401 a.C. terminara com a humilhação de Atenas nas mãos de Esparta.
Uma fonte essencial para entendermos a condenação à morte de Sócrates é o texto “Apologia a Sócrates”, em que seu discípulo Platão dá voz ao mestre para que ele faça sua defesa diante de seus juízes, que acabarão por mandá-lo ao “patíbulo” como um criminoso qualquer.
Todo filósofo tem problemas com o poder? Claro que não. Muitos vivem bem com o poder, o servem, o defendem, ganham a vida graças ao poder — tais intelectuais são conhecidos como orgânicos, porque operam dentro de uma estrutura político-ideológica que determina e limita sua atuação como pensador público. São inúmeros os exemplos ao logo da história.
RESTA A DÚVIDA – Logo, a questão que permanece é: qual tipo de filosofia Sócrates praticava que o levou à condenação à morte?
Se seguirmos o texto de Platão, Sócrates se defende da acusação de ateísmo dizendo que nunca falou contra os deuses da cidade e que creditava, mesmo com sua opção pela condição de filósofo pobre e questionador, à pitonisa de Delfos a afirmação de ser ele o homem mais sábio da Grécia e que tinha por missão questionar os cidadãos para que eles desenvolvessem virtudes públicas — a famosa “areté”.
Missão essa dada por Apolo. Pessoalmente, não creio que seja possível ensinar a virtude a ninguém.
ACUSAÇÕES PÍFIAS – Se olharmos a distância, apesar da defesa de Sócrates, veremos que ele é acusado de afastar os jovens das crenças religiosas tradicionais, acusação esta comumente feita a filósofos ao longo da história. Sócrates seria, então, uma espécie de herege condenado à fogueira.
Mas há uma outra acusação importante a se lembrar: ele seria arrogante ao fazer os cidadãos com quem ele discutia serem humilhados publicamente.
Aqui há um ponto fundamental. Sócrates não acreditou quando a pitonisa disse ser ele o homem mais sábio da Grécia e, portanto, se pôs a conversar com grandes poetas, líderes políticos, grandes retóricos, médicos, famosos artesãos, supondo encontrar sabedoria maior do que a dele, e, descobriu, para sua desgraça, que essas figuras famosas por seu saber mentiam, não sabiam o que diziam saber ou eram simplesmente ignorantes e fingiam não ser.
“NADA SEI…” – Sócrates não assumiu que ele era sábio por causa disso. Lembremos de sua famosa afirmação de que, quanto mais buscava a verdade, mais longe se via dela, mas desnudou a mentira que estava no coração do contrato social de Atenas: os sábios mentiam e, por isso, o caluniaram pela inveja.
Sócrates mesmo faz menção a essa inveja por parte dos seus inimigos, de vê-lo ser mais sábio do que eles.
Foi esta a prática filosófica que matou Sócrates: desmascarar as mentiras dos “sábios”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como sempre, muito interessante a reflexão de Pondé, que é um craque da filosofia. Acrescentaria apenas que pesaram muito para a condenação de Sócrates as afirmações de Alcebíades, que acusava o filósofo de soberba, por dormir a seu lado sem trocar carícias sexuais, comuns à época entre homens. Por fim, os juízes (falsos sábios) queriam apenas se livrar de Sócrates, jamais imaginavam que ele aceitaria a sentença de morte. Até tentaram facilitar a fuga dele com apoio do amigo Criton, mas o maior filósofo de todos os tempos se recusou a se evadir. (C.N.)