Claudia Pedreira A TARDE
O escritor baiano João Ubaldo Ribeiro teve uma surpresa, esta semana. Através do seu editor em Portugal, ele soube que o livro A casa dos budas ditosos foi censurado por uma rede de lojas que atua no comércio lusitano. A notícia foi publicada no jornal Expresso do dia 25, gerando reclamações de intelectuais da terra onde o brasileiro recebeu, no ano passado, o Camões, o mais importante prêmio literário em língua portuguesa. “Não é nenhuma censura oficial de Portugal”, fez questão de ressaltar, do Rio de Janeiro, João Ubaldo, membro da Academia Brasileira de Letras, em entrevista por telefone ao jornal A TARDE. “O veto é de uma cadeia de lojas de superfície, como os portugueses chamam as grandes empresas que vendem tudo, inclusive livros”, detalhou. O grupo Auchan, de origem francesa, justificou a decisão de não comercializar a obra, relançada pela Edições Nelson de Matos, por considerá-la produto de “foro pornográfico”. A mesma rede já havia vetado a primeira edição da obra, com o selo Dom Quixote, há dez anos. “Quando esta mesma cadeia, que administra o supermercado Jumbo, censurou meu livro, há dez anos, os amigos me levaram pra lá, fizeram um ato de desagravo. E a confusão parecia uma jogada de marketing, já que o público correu para comprar o livro”, lembra, divertido, o escritor nascido na Ilha de Itaparica. Menos bem-humorado, o editor Nelson de Matos se manifestou para o jornal Expresso: “Isto é uma vergonha para nós, portugueses, e uma deselegância para as relações culturais entre Portugal e o Brasil”.No mesmo dia em que soube da censura da Auchan em Portugal, João Ubaldo Ribeiro assinou contrato com uma das editoras mais respeitadas dos Estados Unidos, a Dalkey Archive Press, vinculada à Universidade de Illinois, para lançar nos EUA A casa dos budas ditosos. A publicação será traduzida para o inglês por Clifford Landers (o mesmo tradutor de O sorriso do lagarto) e terá o título The House of the Fortunate Buddhas. Mais um – O grupo Auchan também analisa se censura Viva o povo brasileiro, outra obra de João Ubaldo. O livro foi adotado duas vezes pelo Ministério da Educação da França como livro-texto para o exame de agregação de língua portuguesa, mas agora, ironicamente, é vetado por uma empresa com bases francesas. “Viva o povo brasileiro não pode ser acusado de pornografia em lugar nenhum, a não ser em uma seita fundamentalista”, espinafra seu autor.“Acho que esta censura termina despertando o interesse do leitor”, opina Flávia Garcia Rosa, diretora da Editora da Ufba.Ela considera que a infinidade de livros lançados no mercado deve passar por uma avaliação de um conselho editorial. “Mas a primeira pessoa que tem que fazer a autocrítica do conteúdo é o autor, que vai ter seu trabalho exposto aos leitores”. Aclamado por público e crítica, Ubaldo diz reagir à celeuma com tranquilidade. “Na verdade, não fossem meus laços afetivos com Portugal e esta situação do meu editor, um homem sério que tem uma editora pequena, eu tava me lixando. Quer vender venda, não quer, não venda”. Porém, ele repete que tem ligações com o país europeu, onde, inclusive, nasceu-lhe um filho com a psicanalista Berenice – o ator Bento Ribeiro, que fez par com Claudia Ohana na novela A Favorita, exibida pela Globo. “Mas não estou perdendo noites de sono por esta censura”, garante o imortal, que, aos 68 anos, está escrevendo um novo livro. Sexo – João Ubaldo Ribeiro inquieta o leitor em A casa dos budas ditosos. O autor conta, no livro, que recebeu um pacote com a transcrição datilografada de várias fitas, enviadas por uma mulher, uma pessoa misteriosa que fala com uma naturalidade que às vezes beira o vulgar sobre o que só se comenta na alcova. A personagem também trata com ironia e causticidade de assuntos delicados, relacionados a religiosidade, sociedade, moralidade e fidelidade. No teatro, a atriz Fernanda Torres deu vida à personagem, que iniciou a vida sexual numa fazenda de Lençóis e passou a viver deliciosas aventuras. O espetáculo homônimo ao livro, adaptado por Domingos de Oliveira, fez temporada de sucesso em Lisboa e Porto, em Portugal.
Fonte: A Tarde
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