Governador do Mato Grosso, Blairo Maggi é suspeito de misturar o público e o privado
Vasconcelo Quadros
Brasília
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema) por suspeita de falsificação dos documentos que amparam a concessão de licença ambiental para a construção de duas linhas de transmissão de energia elétrica na região Norte do Estado.
As obras beneficiariam, indiretamente, empreendimentos de geração de energia do grupo empresarial que pertence ao governador Blairo Maggi. O promotor Gerson Barbosa e o procurador da República Mário Lúcio Avelar, autores da requisição que pede a investigação, afirmam que o parecer da Sema é "total ou parcialmente falso";
Mesmo assim, funcionou como principal parâmetro para que o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) concordasse com o estudo e relatório de impacto ambiental – os chamados EIA-RIMA – e concedesse a autorização para a construção das obras.
Recursos federais
As duas linhas, uma conhecida por Juína-Maggi e a outra Maggi-Juba, representam investimentos de mais de R$ 500 milhões do governo federal para integrar ao Sistema Elétrico Interligado Nacional (Sin) um complexo de usinas da região Norte do Mato Grosso, cinco das quais, na região do Rio Juruena, pertencem ao Grupo Amaggi, do governador.
Procurado pelo Jornal do Brasil, Blairo Maggi negou, por meio de sua assessoria, que as obras o beneficiem. Informou que está afastado de suas empresas há cinco anos e disse que as informações sobre questões ambientais são da alçada da Sema.
As duas linhas foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND) por decreto assinado no ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também criam alternativas de transmissão de energia da futura usina de Dardanellos, em Aripuanã, cujas obras estão atualmente suspensas por decisão liminar da Justiça Federal.
Bolas trocadas
A principal discrepância no processo que resultou na concessão da licença está na cronologia: o ato normativo que deveria nortear os estudos de impacto ambiental foi produzido um ano depois que a Sema apresentou o parecer amparado no EIA-RIMA. Foi como colocar o carro na frente dos bois.
Além disso, foram apresentados dois pareceres e, num deles, o texto faz referência a um reservatório que nem está previsto no projeto das obras, o que levantou a suspeita de que anexou-se como documentos sobre impacto ambiental textos de outros planos.
"Evidencia-se que a informação (...) do Parecer Técnico foi desprovida de qualquer aparato legal e idôneo, fato que demonstra indício de falsidade ideológica", escrevem no despacho os dois representantes do Ministério Público. Funcionários da Sema que trabalharam nos pareceres deram informações preliminares contraditórias.
Diene Luzia do Nascimento não soube explicar um trabalho do qual aparecia como signatária. Outro servidor, Joilson Corrêa disse que houve um equívoco ao mencionar providências de limpeza no reservatório que nem consta do organograma das obras . Uma terceira técnica do órgão, Neise Maria de Souza Pinto, disse que a citação do reservatório era uma referência à área de influência de uma das linhas de transmissão, o que também não convenceu Barbosa e Avelar.
Depoimentos
A investigação em torno das supostas irregularidades ficará sob a responsabilidade da delegada federal Anna Alves Michelan. Ela deverá ouvir os três funcionários citados na requisição e o atual subsecretário de Meio Ambiente, Salatiel Alves de Araújo que, segundo o Ministério Público, teria participado da articulação dos estudos que resultaram na concessão da autorização para a construção das duas linhas de transmissão.
Homem de confiança do governador, Salatiel é apontado como o mentor dos procedimentos ambientais que ampararam a construção de várias usinas hidrelétricas na região Norte do Mato Grosso, entregues à iniciativa privada, entre elas a que estão em poder da Amaggi.
A investigação da Polícia Federal em torno do parecer que amparou o projeto das duas linhas é o início de uma ofensiva do Ministério Público para enfrentar a pressão que Maggi vem exercendo para viabilizar grandes empreendimentos de geração de energia através da rede hidrográfica da região Norte do Mato Grosso, nas bacias dos rios Paraguai e Amazonas.
– Mato Grosso não precisa da energia e, se fosse o caso, teria outras alternativas com impacto menos danoso ao meio ambiente – afirma o professor José Domingos de Godoy Filho, do Departamento de Geologia Geral da Universidade Federal do Mato Grosso. Os projetos têm a finalidade de gerar energia ao Centro-Sul do país e beneficiam as empresas do governador e outros conglomerados privados.
Autor de estudos que amparam as ações do Ministério Público, ele diz que obras como a usina de Dardanellos e das linhas de transmissão vão produzir uma série de conflitos envolvendo prejuízos às comunidades indígenas e ao meio ambiente. Outro especialista no assunto, o biólogo Francisco de Arruda Machado diz que a usina tornará inviável a vocação turística da região _ a principal cachoeira fica na área urbana de Aripuanã – e destruirá 220 tipos de peixes e um complexo de vegetação com espécies que estão sendo descobertas agora e ainda nem foram catalogados.
Fonte: JB Online
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