Por: Tribuna da Imprensa
BRASÍLIA - Experientes profissionais da diplomacia, que hoje atuam no setor privado, e de fontes do governo criticaram ontem a forma como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se relacionado com países vizinhos. Para eles, a nacionalização do setor de gás e petróleo da Bolívia deixou três claras lições ao governo petista. Primeira: em política externa, ingenuidade é uma falha mortal. Segunda: discursos de generosidade com a vizinhança somente surtem efeitos se refletidos em cifras gordas. Terceira: simpatias ideológicas não são suficientes para se obter um benefício ou tratamento diferenciado.
Desde o início de 2005, o presidente Lula deslizou nesses três princípios ao lidar com a vizinha Bolívia. Agora, amarga a redução da Petrobras à mera prestadora de serviços, o risco de falta de um dos combustíveis da matriz energética brasileira e o desmoronamento dos pilares de sua política externa.
Embora tenha surpreendido o Itamaraty, o modelo anunciado na segunda-feira por Evo Morales era uma "pedra cantada" há muito tempo, alertou o embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro de Estudos de Relações Internacionais (Cebri). O governo agiu no último ano como se a medida não fosse recair sobre a Petrobras, arrematou o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), embaixador Sebastião do Rêgo Barros. Fontes do governo, entretanto, asseguram que faltou pressão de Brasília sobre os movimentos de La Paz.
Mais incisivo, Botafogo acredita que houve "erros de análise e de tática" por parte do Itamaraty e do Palácio do Planalto sobre todo o processo recente da Bolívia - desde a tramitação da Lei de Hidrocarbonetos, concluída em meados de 2005, passando pela campanha eleitoral que levou Morales à Presidência em janeiro deste ano, até o anúncio do decreto e a ocupação militar das plantas de exploração e refinarias de gás, na segunda.
"Faltou sofisticação diplomática", argumentou o embaixador, que defende a maior vigilância dos interesses do Brasil além de suas fronteiras. "O governo desperdiçou energia no ambicioso projeto de integração sul-americano. Perdeu a liderança no Mercosul e perdeu o foco sobre questões específicas, como a presença da Petrobras na Bolívia."
Para Botafogo, o governo Lula pecou pela ingenuidade, ao imaginar que seria possível colher dividendos de sua política externa "generosa" para com a Bolívia e com as afinidades com o líder cocaleiro. Em 2004, no pacote de perdão da dívida das economias pobres do mundo, o presidente Lula incluiu o cancelamento do passivo de US$ 52 milhões do país vizinho. No ano passado, o Programa de Financiamento às Exportações (Proex) incluiu três obras de transportes na Bolívia.
No plano político, o presidente Lula deixou claro seu apoio à eleição de Evo Morales. Em janeiro passado, recebeu o líder boliviano no Palácio do Planalto e, nove dias depois, desembarcou em La Paz para as cerimônias de sua posse. Na semana passada, em um novo gesto de boa vontade de Brasília, o secretário-geral das Relações Exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, firmou em La Paz uma série de acordos bilaterais de cooperação, especialmente na área de educação.
Mas nenhuma dessas atitudes foi suficiente para que o governo Morales levasse em consideração os investimentos já realizados pela Petrobras na Bolívia e seus projetos de expansão da capacidade de produção em 50%. Fontes da diplomacia lembraram que, nas últimas semanas, autoridades da Bolívia conversaram com representantes da Petrobras. Mas tiveram o cuidado de não vazar nenhuma das medidas decretadas por Evo Morales.
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