Por: Liliana Pinheiro (Primeira Leitura)
A seqüência de fatos lembrados no terceiro parágrafo deste texto se destina a refrescar a memória dos leitores quanto à mais nova desordem do nosso poder central, paradoxalmente um poder marginal, tendo como protagonistas o governo e a oposição. Sabendo que jornalistas estão na mira do Planalto, antes que eu tome um processo, aviso que uso marginal no sentido psicológico: aquilo que está na periferia da consciência. Ficou ameno, não? Vivência de ditadura, meus caros. Não há mais censores nos dias que correm. O jogo de palavras, agora, obedece a uma lógica diferente: é preciso escapar dos advogados do poder sem deixar de fazer a crítica que cabe ser feita.
Onde há petistas poderosos, há advogados cinco-estrelas prontos a prestar serviços contra a imprensa. Uns mercenários (no sentido de que trabalham honestamente a soldo, que boba não sou), outros oficiais, com Pasta e caneta na mão. Pasta no sentido de valise — a letra inicial maiúscula, que sugere a palavra Ministério, foi erro de digitação. Escapei de processo? Já volto a novos exercícios de covardia, mas para dar conta também da dos outros, tão vasta que espanta até a esta senhora, ora tão cheia de cuidados e acanhamentos para dar conta dos malfeitos do poder.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, encontrou-se, longe dos olhos da mídia, na última quarta-feira, com um banqueiro investigado pela Polícia Federal por produzir dossiê contra o governo Lula. As informações coletadas por Daniel Dantas, do Opportunity, foram publicadas na edição da semana passada da revista Veja — a fonte foi revelada pela própria publicação. Uma semana depois, a mesma Veja conta, em nova reportagem, do encontro de Dantas com Thomaz Bastos para “celebrar uma trégua”. O governo confirma que ambos se reuniram, mas tenta imprimir ao episódio um caráter republicano: Bastos estaria em “missão institucional”, nas palavras do colega Tarso Genro, escalado para dar à sociedade uma “resposta política” ao episódio.
A oposição se calou, como sempre faz quando existe Daniel Dantas no enredo. O governo nem se deu ao trabalho de catar os pedaços de máscara espalhados por toda a Esplanada dos Ministérios e pelo Palácio do Planalto. A imprensa on-line pegou leve porque, afinal, não havia o declaratório habitual para dar corpo às reportagens. Como escrever sobre o silêncio? No aguardo da cobertura dos jornais, que só chegarão às bancas nesta terça, assumo eu, nesta noite de segunda-feira, o desafio de falar sobre esse imenso nada brasiliense.
Onde está o banqueiro, o clima de Marcola x São Paulo se instala: não se vê vivalma disposta a enfrentá-lo. Nem no governo, que preferiu processar o jornalista de Veja, nem na oposição. Ouviram-se só murmúrios intramuros vindos da Polícia Federal, que estranhou a suposta (outra palavra antiprocesso) negociação de seu chefe, Thomas Bastos, com seu investigado, Daniel Dantas.
A PF destacou um grupo de investigadores responsável pela apuração do caso Kroll, empresa que teria (haja futuro do pretérito para tantos doutores dispostos a nos pegar!) espionado autoridades brasileiras a mando da Brasil Telecom, então comandada por Dantas. A própria Veja lembra que o banqueiro foi denunciado à Justiça Federal por corrupção ativa, quebra ilegal de sigilo telefônico, violação de sigilo bancário e formação de quadrilha. Que missão institucional o ministro teria a cumprir ao conversar com essa personagem que, nos próximos dias, deve prestar depoimento à PF? O segundo capítulo dessa salada diz respeito ao papel que o pefelista Heráclito Fortes teve nesse encontro. Em algumas reportagens já publicadas em veículos de imprensa, Fortes é gentilmente apresentado aos leitores como o “amigo” de Daniel Dantas no Congresso.
Suspeito, e apenas porque esse verbo não dá processo, que Dantas não tenha propriamente amigos. Tem é poder sobre todos os lados políticos dessa República, composta de situação, oposição e advogados. Batalhões de advogados. Ou melhor, tenho uma suposta suspeita, doutores.
Nesta terça, Delúbio Soares estará na CPI dos Bingos. Oposição e governo tentarão nos mostrar valentia, posições radicalizadas, podendo até derivar para uma guerra de projetos e concepções, essa sim verdadeiramente suposta. Estarão confortavelmente diante do peixe pequeno do poder, com seu ar ictíico, palavra que não dá processo porque ninguém sabe mesmo o que vem a ser. São uns covardes, uns poltrões. Mas, se me perguntarem em juízo a quem ofendo, direi sinceramente que os peixes. Os meus andam pesados naquele vaivém inútil, naquela boa vida. Nada para cá, nada para lá. Revoltante!
A Federação Nacional dos Jornalistas, filiada à CUT, não deu um pio sobre o processo que Lula moverá contra o repórter de Veja, Márcio Aith, quando deveria processar Dantas, o autor do dossiê contra o presidente e os homens do presidente. É mais uma forma de covardia. Do presidente ou da Fenaj? Ah, fiz outra construção antiprocesso perfeita, pois, se um me acusar, digo que é outro, e, se outro processar, digo que é um. E se o bicho pegar, mesmo, digo que a covardia é toda minha, como estou afirmando desde o começo do texto, o que será verdade verdadeira.
Advogados custam caro. Pagamos tanto para que eles tenham os deles que ficamos sem nenhum para contratar os nossos.
[liliana@primeiraleitura.com.br]
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