Por: Textos recentes da Folha de S.Paulo
São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006 GUERRA URBANA Polícia de SP investiga cem contas do PCC Facção criminosa utiliza nome de "laranjas", voluntários ou não, para arrecadar as mensalidades dos filiados A pulverização bancária dos recursos do grupo foi adotada para evitar grandes perdas no caso de a polícia descobrir algum "laranja" ANDRÉ CARAMANTE GILMAR PENTEADO DA REPORTAGEM LOCAL Identificar quem são os "laranjas" cujos nomes são utilizados -voluntariamente ou não- pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) para que o dinheiro do grupo seja movimentado por seus principais líderes. Essa é uma das metas da Polícia Civil de São Paulo para tentar desarticular o poderio econômico do grupo criminoso, que, na última semana, apavorou São Paulo ao promover uma onda de violência com 339 ataques às instituições públicas e privadas, 82 rebeliões e causou a morte de 172 pessoas, sendo 42 agentes públicos, numa guerra com média diária de cerca de 24,6 mortes (entre sexta, dia 12, e quinta, 18). Indicado pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), hoje pré-candidato à Presidência, para combater as ações da facção, o delegado Ruy Ferraz Fontes, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), tenta rastrear ao menos cem contas bancárias utilizadas pelo grupo para movimentar os valores arrecadados com as mensalidades pagas pelos "irmãos" (integrantes) da facção. À CPI do Tráfico de Armas, Ruy Fontes afirmou que o PCC arrecada, em média, R$ 700 mil por mês. Em julho do ano passado, quando prendeu Deivid Surur, de 23 anos, o DVD -apontado como tesoureiro do PCC do lado de fora dos presídios-, Fontes denunciou à Justiça que a estudante de direito Cynthia Giglio da Silva, 28, atual mulher de Marcos Willians Herbas Camacho, 38, o Marcola (líder máximo da facção e responsável pela visão sindical do grupo), havia recebido R$ 90 mil desse caixa do PCC. O advogado de Cynthia, Vitor Fachinetti, diz que a estudante passou pouco tempo na prisão porque o Deic "equivocou-se ao informar essa cifra [R$ 90 mil] à Justiça". "Ela [Cynthia] nunca recebeu ajuda de grupo nenhum", disse Fachinetti. Foi a partir do livro-caixa apreendido com DVD (morto na prisão, em 2005) que a investigação policial conseguiu dimensionar o esquema de contas bancárias à disposição do PCC. Em alguns casos, as contas para onde vão as grandes quantias de dinheiro são de pessoas ligadas aos líderes do grupo. Em outros, de devedores da organização, principalmente os que estão atrás das grades, que obrigam parentes a emprestar o nome para que a facção movimente dinheiro, mas já com valores bem menores. Uma das principais finalidades da pulverização das contas bancárias do PCC, segundo a polícia investiga, é evitar que, em caso de prisão de algum dos "laranjas" do esquema, o prejuízo causado ao caixa do grupo seja pontual, em apenas uma conta. Marcola aprendeu isso com a detenção de DVD -que, até então, era o único tesoureiro do "partido do crime". Hoje, são pelo menos seis em todo o Estado os responsáveis por empréstimos feitos pela facção a outros criminosos, pelo financiamento de crimes, pela compra de armas, pelo pagamento de mensalidades de faculdades de direito e também de honorários de alguns advogados, além do provimento de ações sociais em favelas. São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006 GUERRA URBANA/ESTRUTURA Estrutura adotada por Marcola tornou o PCC uma organização que arrecada cerca de R$ 700 mil de associados por mês Sucesso econômico da facção inclui atividades diversificadas, como aluguel de armas, financiamento de roubos e taxa por proteção 'Sindicato' arrecada R$ 700 mil por mês DA REPORTAGEM LOCAL O PCC (Primeiro Comando da Capital) alcançou uma estrutura criminosa que arrecada pelo menos R$ 700 mil por mês, segundo dados da polícia paulista, funcionando como uma espécie de sindicato. Desde 2002, quando assumiu o poder, o líder máximo da facção criminosa, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, implantou uma linha muito mais empresarial do que seus antecessores. Os integrantes do PCC se transformaram em presos "sindicalizados". A contribuição mensal, antes opcional, virou obrigatória para os membros do grupo. Paga-se pelos supostos benefícios e proteção, seguindo as normas que regem qualquer entidade de classe. Os tentáculos do "sindicato" se expandiram para fora das cadeias. Além da mensalidade, o associado da rua também passou a contribuir com parte do lucro de seu "negócio", o crime. E as atividades se diversificaram: aluguel de armas, empréstimos para financiar roubos -com pagamento com juros- e tráfico de drogas. Qualquer crime na área da facção passou a ser "tributado". Mas o PCC não é dono de pontos-de-venda de drogas, como ocorre com o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Lembrando o mais conhecido sindicato do crime, a máfia italiana, a facção passou a cobrar por proteção. O dono do ponto-de-venda de droga é local. Mas só sobrevive se aceitar a autoridade do PCC e pagar por isso. Na arrecadação do lado de fora das cadeias, o "sindicato" dividiu a cidade de São Paulo em quatro partes e criou a figura do "piloto-gerente" -responsável por coordenar as ações e a arrecadação de dinheiro da facção na sua área. "A organização de entrada e saída de dinheiro deles é uma coisa absurda", reconheceu o delegado Ruy Ferraz Fontes, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, no dia 10. Coletivo Também como em qualquer sindicato, o interesse coletivo dos presos orienta o caixa do PCC. Boa parte das contribuições e dos lucros com os crimes vai para as famílias. O dinheiro é usado para financiar viagens de ônibus para visitas de parentes de detentos em penitenciárias na região oeste do Estado de São Paulo, para pagar advogados ou para comprar armas. O controle contábil de pequenas quantias é feito pelo "piloto-gerente". As decisões sobre as grandes quantias, no entanto, passam pela cúpula. Foi Marcola, condenado por assaltos a banco, quem ditou as normas para a "sindicalização" do PCC. Logo após assumir o comando, descentralizou o controle. "Ele dividiu a capital em quatro áreas de influência e tem um representante em cada área, que determina tudo o que acontece ali. Determina de quem ou como é que vão ser comercializados os entorpecentes", afirmou Fontes. "Foi a partir de Marcola que a facção passou a dar prioridade para os negócios, para arrecadação de dinheiro com o crime", disse o promotor Roberto Porto, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público. Opressão O "sindicato" criado por Marcola, no entanto, cresceu pela opressão. Quem não paga as mensalidades, passa a dever favores para a facção, que serão cobrados depois. Nos recentes atentados, muitos desses devedores foram obrigados a pagar essa dívida participando das ações. Passaram a ser chamados, entre os membros da facção, de "Bin Ladens". Os devedores também podem quitar seus débitos com carros roubados e armas. "Tamanha é a orientação referente a isso que muitas pessoas vão cometer o crime sem, muitas vezes, saber o que tem de fazer. Se não vai, morre", afirmou o delegado Godofredo Bittencourt, diretor do Deic, também à CPI. A conquista de pontos-de-venda de droga também segue essa lógica. Se os traficantes concordarem com as normas da facção, recebem proteção. Até mesmo o traficante que não faz parte do PCC é obrigado a pagar uma espécie de "dízimo". Do contrário, fica sujeito a ser expulso ou morto. A facção passa, então, a indicar um "associado" para o local. Nas últimas rebeliões nos presídios de São Paulo, o PCC também colocou em prática a sua estratégia de opressão, segundo relatório do departamento de inteligência da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) enviado à Vara de Execuções de São Paulo. De acordo com o documento, diretores de presídios informaram que "pilotos" -responsáveis pela facção naquela cadeia- afirmaram que estavam sendo ameaçados de morte pela liderança, inclusive com risco a familiares, caso não cumprissem a ordem de se rebelar. No relatório, o departamento de inteligência cita o caso da penitenciária de Valparaíso (577 km de SP), na qual os presos teriam dito à direção que só conversariam depois de cumprir a ordem do comando de destruir toda a unidade. Ostentação O sucesso econômico da facção nos últimos anos também é usado por seus líderes para amedrontar ou ironizar funcionários e autoridades. Foi assim nas ameaças feitas por líderes do PCC ao serem transferidos para Presidente Venceslau (620 km de SP) e Presidente Bernardes (589 km de SP), conforme boletins de ocorrência registrados na polícia por funcionários da SAP. Marcola, ao ser transferido, teria dito que a facção tinha poder econômico para promover as ações e que as represálias seriam conhecidas no noticiário noturno da TV. Os ataques começaram horas depois. Em outro presídio, um agente penitenciário chegou a ouvir de um dos líderes durante a transferência: "Com o salário mínimo que você ganha, não poderia estar correndo tal risco". (GILMAR PENTEADO E ANDRÉ CARAMANTE)
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