Por: Yahoo! Copa do Mundo 2006
A queda do Império húngaro
Campeão:
Alemanha
Vice:
Hungria
Ficha técnica
Sede: SuíçaPaíses inscritos: 39Participantes: 16Gols: 140Média de gols: 5,37Média de público: 36.269
A pequena e brava Suíça - da qual se duvidava poder levar a cabo a tarefa de organizar o Mundial de 1954 - trabalhara com inteligência para que não se repetissem as ausências de quatro anos antes. É claro que os tempos eram outros. Em termos de futebol, principalmente, a guerra tornara-se algo quase remoto. Tanto que a Alemanha, até há bem pouco um monte de ruínas, permitia-se inscrever uma seleção bem mais ambiciosa do que muita gente supunha.
Com uma propaganda maciça, um hábil trabalho diplomático e um natural apelo turístico, os suíços, desde 1952, atraíram a atenção de todo o mundo para o seu campeonato. O resultado disso foi que o número de países inscritos estabeleceu novo recorde: 39. Dentre eles, em sua quinta tentativa, o Brasil. Muita coisa mudara no nosso futebol depois de 1950. Na realidade, desde aquele amargo 16 de julho, mudar passara a ser a palavra de ordem. Assim, o que se fizera de um jeito, ainda que certo, em 1950, teria de ser feito diferente, em 1954. Mas todos concordavam com as mudanças. A começar do técnico: para o lugar de Flávio Costa, Zezé Moreira.
Alfredo Moreira Júnior, um fluminense de Miracema, 46 anos, guardava muitos pontos em comum com Flávio Costa: ambos tinham sido jogadores medíocres antes de se tornarem técnicos, ambos eram austeros disciplinadores, ambos trabalhavam na base da honestidade e da franqueza, ambos exigiam poderes absolutos quando dirigiam um time de futebol. Havia, no entanto, uma diferença realmente significativa entre os dois técnicos: Flávio perdera a Copa do Mundo de 1950 enquanto Zezé, ao assumir o comando da Seleção, no Campeonato Pan-americano de 1952, no Chile, levara o futebol brasileiro a conquistar seu primeiro título no exterior.
Os preparativos para a Copa do Mundo de 1954 começaram com muita antecedência. Pouco antes da meia-noite do dia 25 de maio, num avião da Panair, seguia para a Suíça a primeira turma da delegação de 38 pessoas. Em 16 de julho, o Brasil finalmente estreava na quinta Copa do Mundo. Como acontecera em 1950, o primeiro adversário seria o México, do qual, com toda a razão, Zezé Moreira não tinha o menor receio. A Seleção Brasileira era realmente boa. Uma nova geração de craques substituíra, em alguns casos com vantagem, a geração que chegara ao fim quatro anos antes. Esta seleção, taticamente disciplinada, guardando-se cautelosamente na defesa para explorar os contra-ataques, bem ao gosto de Zezé, venceu a do México por 5 x 0, em Genebra.
Gastando energia O segundo jogo, em Lausanne, já não foi tão tranqüilo: empate de 1 x 1 com a sólida e bem treinada seleção da Iugoslávia, realizando-se em seguida uma prorrogação de 30 minutos. O sistema de disputa desta Copa era bem diferente da de 1950: os 16 finalistas divididos em quatro grupos de quatro; dentro do seu grupo, cada finalista jogava com apenas dois outros; contavam-se os pontos ganhos; e os dois primeiros colocados da chave passavam às quartas-de-final, das quais o campeonato prosseguia pelo sistema de eliminação direta.
Assim, Brasil e Iugoslávia, que haviam derrotado México e França nos jogos de estréia, necessitavam apenas do empate para se classificarem. Mas João Lira Filho, chefe da delegação que se gabava de ser uma autoridade em leis esportivas, simplesmente desconhecia o regulamento da Copa do Mundo. E os brasileiros, pensando que o empate não lhes servia, lutaram desesperadamente na prorrogação com os iugoslavos, por uma vitória desnecessária. Mas o empate permaneceu até o fim da prorrogação.
Nos outros grupos, não houve maiores surpresas. Inglaterra e Suíça passaram bem para as quartas-de-final, numa série de jogos em que a Itália decepcionara e a Bélgica pouco fizera de bom. Já o Uruguai justificava o respeito que todos lhe tinham ao obter o primeiro lugar do grupo, secundado pela Áustria. Mas a maior atração, mesmo, tinha sido a Hungria, líder do seu grupo, com duas arrasadoras goleadas: 9 x 0 na Coréia do Sul e 8 x 3 na Alemanha Ocidental. Sobre esta última, um detalhe: Seppe Herberger, o veterano e astucioso técnico alemão, sabendo que poderia classificar-se num jogo-desempate com a frágil Turquia, poupou vários titulares contra a Hungria, mandando a campo seus atléticos e violentos reservas. Um deles, Liebrich, acertara o tornozelo de Puskas.
Na tarde de quinta-feira, 24 de junho, enquanto Zezé e os dirigentes iam assistir ao sorteio que indicaria quem enfrentaria quem nas quartas-de-final, os jogadores permaneceram concentrados em Macolin. Já então dois sentimentos haviam se apoderado deles, ambos exagerados, ambos incutidos pelo comando da Seleção: o do machismo patriótico e o do medo. O primeiro devia-se à incandescência de alguns dirigentes que insistiam em fazer da Copa do Mundo uma espécie de prova à brasileira dos nossos craques (no fundo, eram ainda os efeitos da derrota de 1950). E o sentimento de medo decorria de tudo o que, àquela altura, já se dizia da Seleção Húngara. E se perdêssemos, qual a reação dos milhões de brasileiros que esperavam da nossa seleção a forra de 16 de julho? Os jogadores pensavam nisso quando Zezé chegou, pálido, a fisionomia preocupada, a voz grave, e confirmou, em tom quase trágico: "Sim, é contra a Hungria..."
Assim, em 27 de junho, brasileiros e húngaros travariam, no estádio Wankdorf, aquela que ficou conhecida como "a batalha de Berna". Os húngaros entraram em campo tranqüilos para enfrentar uma Seleção Brasileira de nervos arrasados. E acabaram vencendo por 4 x 2. Foi uma vitória discutida, alegaram os brasileiros, achando que o juiz inglês, Arthur Ellis, beneficiara a Seleção Húngara.
Uruguai, Alemanha Ocidental e Áustria foram os outros vencedores das quartas-de-final, eliminando, respectivamente, Inglaterra, Iugoslávia e Suíça. Nas semifinais, enquanto os alemães derrotavam os austríacos, Hungria e Uruguai disputavam, em Lausanne, a partida que a imprensa européia classificou de "a decisão moral da quinta Copa do Mundo". Uma inesquecível decisão moral, em que os húngaros - como sempre, até então - já venciam por 2 x 0 antes da metade do primeiro tempo. Mas, numa incrível reação, ditada por um entusiasmo poucas vezes visto num campo de futebol, a velha Celeste Olímpica chegava aos 2 x 2, no final do jogo. Na prorrogação - os uruguaios extenuados, os húngaros ainda inteiros - a Equipe de Ouro marcava mais dois gols e transformava-se não apenas numa das finalistas, mas na própria favorita ao título máximo da quinta Copa do Mundo.
A festa e o forno O jogo com os alemães não preocupava um único húngaro vivo. Desde sexta-feira, 2 de julho, a chuva caíra quase sem parar sobre Berna. Mas os húngaros viviam, com antecedência, em clima de festa. No entanto, na concentração, enquanto Puskas tinha o pé esquerdo enfiado no forno de Bier, Sandor Kocsis, goleador absoluto do campeonato, já com 11 gols marcados em quatro jogos, mostrava-se visivelmente mal-humorado - "Seria ótimo se Puskas pudesse jogar", disse ele a seu companheiro de quarto, Laszlo Budai.
Ferenc Puskas, major da Cavalaria Húngara, capitão da Equipe de Ouro, estrela maior de uma equipe fabulosa, peça mais valiosa da máquina de Gusztav Sebes, realmente jogou. E abriu o marcador. E deu o passe para Czibor marcar o segundo. Mas os 2 x 0 com que os húngaros viraram o primeiro tempo foram apenas uma ilusão. Seus jogadores - entre eles Puskas, mancando um pouco mas certo da vitória - já acenavam para suas esposas, agora sentadas nas tribunas especiais, quando, no segundo tempo, três gols alemães mudaram tudo. Três gols que premiavam uma inacreditável reação. Três gols que deram o título à Alemanha Ocidental e interromperam a longa série invicta da famosa Seleção Húngara.
Para muitos, foi a maior surpresa registrada numa final de qualquer torneio, campeonato ou taça já disputada em solo europeu. Mais que um punhado de craques, desaparecia ali, em campos suíços, todo um espírito. O futebol ofensivo vivera, naquela Copa, seu grande e derradeiro momento: 140 gols em 26 jogos, mais de cinco gols por jogo. Uma derrota do próprio futebol.
Artilheiro
Kocsis (Hungria), 11 gols
Nome completo: Sándor KocsisNascimento: 30 de setembro de 1929, em BudapesteClubes: KTC, Ferencváros, Honvéd, Young Fellows e Barcelona
Ao lado de Puskas, Bozsik, Hidegkuti e Czibor, formava a base da seleção da Hungria dos anos 50. Especialista no jogo aéreo, era chamado de "Cabeça de Ouro". Em 1956, após a invasão de Budapeste por parte de tropas soviéticas, Kocsis decidiu deixar seu país. Teve uma rápida passagem pela Suíça antes de ingressar no Barcelona, onde encerrou a carreira. Em 1978, um problema de irrigação sangüínea levou à amputação de uma de suas pernas. Pouco depois, teve diagnosticado um câncer. Suicidou-se jogando-se da janela de seu quarto no hospital.
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quarta-feira, maio 31, 2006
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