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sexta-feira, maio 19, 2006

Artigo - Um dia de periferia

Por: Leonardo Sakamoto (Reporter Brasil)

São Paulo vive em conflito armado há tempos, sob o jugo de organizações criminosas. O que mudou nos últimos dias foi que o campo de batalha, antes restrito à periferia, respingou no centro - e com mais intensidade.

Dezenas de policiais e civis morreram em decorrência do ataque dos criminosos do Primeiro Comando da Capital. Ônibus foram queimados. Na tarde de segunda-feira, rumores e boatos se espalharam, fazendo com que os habitantes da cidade corressem de volta para casa. Naquele momento, a grande maioria das histórias que corriam não era real - como os tiroteios nas universidades particulares, a bomba no aeroporto de Congonhas, as pessoas feridas no metrô, o atentado no Hospital das Clínicas. O pânico coletivo se instalou e os moradores das regiões nobres de São Paulo tiveram seu dia de periferia - como bem retratou a coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo desta quarta-feira. Sim, porque ruas vazias pelo medo - como ficou a Avenida Paulista - não são novidade nos subúrbios da cidade, apesar de não serem notícia de jornal.
Surgiram as comparações. A que mais agradou a mídia foi a de que São Paulo (tanto que foi repetida à exaustão) vivia seus dias de Bagdá. Surgiram os discursos. Cidadãos indignados, exigindo dos três poderes uma solução imediata para aquela situação. O governador mentiu e disse que tudo estava sob controle - coisa que só veio a acontecer mais tarde quando o Estado foi negociar com os criminosos do PCC, pois sabia que não tinha capacidade de pôr um fim àquela situação.
Enquanto isso, a periferia vivia um dia de inferno. O ataque aos ônibus privou os trabalhadores que não possuem carro (ou seja, os mais pobres) de transporte público. No Campo Limpo - bairro onde cresci e onde moram meus pais - dezenas de pessoas se apinharam nos pontos e terminais. Sem ônibus, utilizam os corredores como calçada na ida e na volta para casa. Houve, mais uma vez, toque de recolher por parte dos traficantes. O policiamento, que já era parco e ineficiente, desapareceu após os primeiros ataques a postos da polícia militar.
O pânico que tomou conta de São Paulo na tarde desta segunda-feira mostrou o quanto tem sido inútil o comportamento adotado pela elite paulistana de tentar ignorar a cidade e viver em ilhas irreais nos bairros jardins ou nos condomínios fechados. Ano após ano, ao tornar o muro de suas próprias casas mais altos, a elite econômica (que, por coincidência, também é o grosso da elite política) não conseguiu garantir segurança. Apenas criou prisões para si mesma. Uma bola de neve, pois ao se privar do convívio com a comunidade no espaço público, aumenta o preconceito e a ignorância com o que é diferente, com o "outro", com o que está "lá fora".
Como retaliação, o contra-ataque das forças policiais começou a matar "suspeitos". Na época da ditadura militar ainda havia um certo constrangimento e quando o estado declarava que havia matado alguém sem justificativa, taxava-os de subversivos, criminosos, meliantes. O clima de tensão gerado pelos ataques do PCC foi a justificativa que faltava para deixar esse pudor de lado e oficializar o "atire primeiro, pergunte depois". Considerando que as classes média e alta se refugiaram rapidamente em suas fortificações, é claro que sobrou para a ralé. Houve um protesto em uma comunidade na periferia, acusando a polícia de ter matado um jovem que não tinha nada a ver com a história, só porque ele era "suspeito". A pequena manifestação foi dispersa pelo helicóptero Águia da corporação.
A "limpeza" nunca deixou de ser feita na periferia, apesar dos esquadrões da morte não operarem mais oficialmente. Mas era velada. De agora em diante, há a chance dessas ações serem legitimadas por parte da opinião pública, sensibilizada pela violência ou pelo discurso de violência dos últimos dias.
Não se defende aqui traficantes de drogas e assassinos. Longe disso. Quem mata tem que ser preso e punido com o rigor da lei. Mas a opção que o Estado parece começar a tomar é estúpida. Vai atacar exatamente aqueles que estão à mercê de sua própria sorte e deveriam ser protegidos: os jovens pobres, moradores de comunidades carentes, que por falta de oportunidades, por necessidade de reconhecimento social e para se impor contra a violência da polícia, caem nessa rede do crime. Dessa forma, quanto mais mortes de jovens, inocentes ou não, acontecerem, mas o ódio já existente contra o Estado aumentará. Pois o Estado, que está presente no dia-a-dia dos moradores do centro, nega condições mínimas de educação, saúde, habitação, lazer e emprego às comunidades da periferia. E quando nelas aparece é para agir com violência, nunca com diálogo.
A pior derrota será se perdermos nossos jovens para o crime organizado. Torçamos para que essa horrível experiência tenha servido para acordar a cúpula política. E para abrir os olhos da elite paulistana. Para que ela - e a população carente - não tenha que enfrentar outro dia de periferia.

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