Por: Rui Nogueira (Primeira Leitura)
A marca mais profunda do petismo elevado à condição de gestor federal e de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República é o contorcionismo dos sem razão que sempre têm razão. O PT está sempre certo, mesmo quanto faz (quase) tudo errado.
Esse fenômeno político só é possível porque o petismo foi ungido com o dom de ser governo e oposição ao mesmo tempo. Um fenômeno que rende estudo universitário profundo com direito a tese de mestrado, de doutorado e de pós-tudo. Quando os ministros acertam, o PT e Lula faturam. Quando os ministros erram, o próprio Lula dá a senha, e uma banda do petismo sai a campo com um discurso de crítica autônoma, como se o governo fosse uma coisa, e Lula e o PT fossem entidades independentes.
Eles são, ao mesmo tempo, o pecado, a penitência e o estado da graça imaculada e divina. Nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos, foi e é muito comum esse exercício petista de uma espécie de ubiqüidade falante: o PT e o governo são o acusado, o inocente que se defende das acusações e o ente que faz propostas redentoras para uma situação que, dizem, é velha e precisa ser superada.
O Lula três em umEstão aí as intervenções de Lula e do ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) no debate sobre a violência e o terror em São Paulo que não me deixam mentir. O Lula que disse que almas “mesquinhas” não deveriam fazer discurso eleitoral em cima da desgraça de São Paulo é o mesmíssimo Lula-mesquinho em pessoa.
Longe de mim achar que o presidente e o PT devam rejeitar os eventuais bônus eleitorais gerados pela maneira desastrada como a crise foi conduzida pelo governador Cláudio Lembo. Mas o campo de paz que Lula delimitou e propôs evitar, o da trombada entre agentes do Estado, o próprio Lula invadiu.
O Lula incapaz de dizer o que fez de notável pela educação fundamental deste país é o mesmo que se vangloria em público por preferir os investimentos em escolas à construção de presídios. Outro Lula, dos tempos da candidatura à Presidência, não via nenhuma contradição em fazer as duas coisas ao mesmo tempo, e até as incluiu entre as promessas de campanha. No poder, não fez nem uma coisa nem outra, mas faz uma auto-avaliação da política educacional do governo como se tivesse promovido uma revolução no ensino do país. É o Lula do discurso três em um. Descartável, mas funcional.
Fulanizou a críticaO caso Tarso Genro é mais emblemático ainda. O ministro das Relações Institucionais – imaginem se fosse ministro da Guerra! – que na quarta-feira atacou o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), pré-candidato tucano ao Planalto, é o mesmo Tarso Genro que, nesta quinta-feira, veio a público, com pose de bombeiro estadista, recomendar que oposição e o governo baixem o tom das “querelas políticas” para resolver os problemas da segurança pública. Quem partidarizou a questão foi Genro – a oposição cobrou do governo Lula as promessas revolucionárias de políticas públicas e de investimentos. Assunto sobre o qual nem Lula nem o ministro se manifestam. O que também não é digno de espanto porque Lula não deu até hoje um ai sobre o caso Francenildo e a demissão do seu ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
“Eu não recuo de nada. As minhas posições foram muito claras, respeitosas, institucionais, não ataquei ninguém pessoalmente”, afirmou o ministro Genro nesta quinta. Na quarta-feira, ele havia sido tão certeiro, tão pessoalmente cirúrgico que, em vez de fazer as críticas ao governador Cláudio Lembo (PFL), responsável pela condução da crise, preferiu atribuir a Alckmin uma negociação com o PCC que, se real, só pode ser de inteira responsabilidade de Lembo. É o petismo com poderes para não dizer nada “pessoal” mesmo quando faz questão de “fulanizar” a crítica.
O ministro Tarso Genro fez questão de “fulanizar” a crítica porque o candidato que vai disputar com Lula é Alckmin, e não Lembo. A maldade foi tão explícita que o ministro das Relações Institucionais, que podia ter criticado o ex-governador por ter construído poucos presídios (o que não é verdade) ou reduzido pouco os índices da violência (o que também não é verdade), fez questão de acusá-lo pelo que ele não fez (negociar com o PCC). Genro escolheu a acusação mais constrangedora, a que mais facilmente intriga polícia, governo e sociedade. Escolha perfeita para um presidente que não disse nada sobre os bandidos, mas já falou um bocado sobre o resto.
E o Conselhão?O passado, ainda que curto, nos diz que não há nada de novo na performance petista! O Tarso Genro do Ministério das Relações Institucionais é o mesmo ministro que deixou a pasta da Educação para refundar o PT do mensalão. Criou uma querela em tom menor com José Dirceu, um arranca-rabo, e logo mostrou que pretendia fazer uma refundação sem mexer nas fundações petistas. Do jeito que entrou saiu. E vida que segue!
Tudo absolutamente dentro do estilo do PT e do governo que prometeu reformas previdenciária e tributária livremente discutidas e negociadas com deputados e senadores, mas tomou como providência primeira, ao chegar ao Planalto, criar um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o afamado “Conselhão”, para fazer um pacote de reformas, constranger os parlamentares e encabrestar o Poder Legislativo. E quem foi o primeiro ministro do Conselhão? Ora, Tarso Genro, o “democrata” que armava arapucas para a democracia.
Sempre que Lula chama para a paz e se exibe como chefe de Estado acima das querelas partidárias, podem ter a certeza de que vem chumbo grosso pela frente. É só uma questão de tempo.
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