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quinta-feira, junho 22, 2023

Deixem o Titanic e seus mortos em paz, parem de fazer turismo com a tragédia

Publicado em 22 de junho de 2023 por Tribuna da Internet

Titan

Exploração turística da tragédia é desrespeito aos mortos

Jorge Béja

Não se vai aqui relembrar o naufrágio do “Titanic”. Quando aconteceu…, porque foi a pique…, quantos morreram… Nada disso.  A finalidade é, em poucas linhas, relatar o que minha esposa e eu ouvimos de um cientista francês que o mundo conheceu. Eis o fato que marcou nossas vidas e que agora voltamos a reviver, dolorosamente.

Éramos recém–casados e alunos da Sorbonne, a Universidade de Paris. A esposa cumprindo o doutorado em Idade Média e Revolução Francesa. Eu, o curso de especialização em Responsabilidade Civil. 

UM ROSTO CONHECIDO – Certo dia, após o término das aulas e quando de volta à casa, por volta das 9 da noite, entramos no “L’Entracte”, bistrô com pratos finos e deliciosos, bem perto de nossa casa em Montmartre (Pigalle). Já sentados, avistei numa mesa próxima um homem de rosto conhecido. Muito parecido com Jacques Cousteau. Muito mesmo. Perguntei ao garçon se conhecia e a resposta foi imediata: “Monsieur Jacques Cousteau”. 

Confirmada a identificação, nos levantamos e fomos até ele, que estava sozinho à mesa. Disse quem éramos e o que fazíamos em Paris.

Pronto, foi o bastante para sentarmos os três numa só mesa. Conversamos muito. Vários assuntos, inclusive futebol. Ele tomou uma garrafa inteira de vinho. E se alimentou muito bem. Conversa sadia e erudita. Disse-nos Cousteau que tinha um projeto: o de visitar os rios e mares da Amazônia (fato que realmente aconteceu no final da década de 80).

RESPOSTA DE COUSTEAU – O “papo” durou mais ou menos duas horas. Nos levantamos e Cousteau foi até o fundo do restaurante. Quando voltou, disse que a conta (“l’adition”) estava paga. Agradecemos. Nos beijamos e saímos juntos.  Na calçada, nos despedimos.

Durante a conversa, perguntei a Cousteau ( Jacques-Yves Cousteau, 1910-1997) por  que com o seu “Philippe” ou “Trimarã”, que sempre levava a bordo do “Calypso”, e mergulhava até o fundo dos oceanos, ele não fazia uma viagem até o “Titanic”. Cousteau não me respondeu de imediato. Fixou os olhos no chão por longos segundos, sem piscar uma só vez, em seguida olhou para mim e disse: “Jorge, ce serait manquer de respect aux morts. Serait morbide. Qu’ils reposent en paix” (Jorge, isto seria falta de respeito aos mortos. Seria mórbido. Que eles descansem em paz).

É verdade, saudoso Jacques Cousteau. Mas sua voz não foi ouvida, infelizmente.

TURISMO NEFASTO – Perto de 50 anos depois do seu alerta, um bilionário aventureiro-avarento construiu uma geringonça submersível e ganhava milhões de dólares para levar curiosos para ver o que restou do “Titanic”, que repousa silencioso no fundo do mar, cerca de 3.800 metros de profundidade.

O que disse Cousteau é a pura verdade. Não se deve fazer turismo sobre o que restou de uma tragédia, com milhares de mortos. Seria o mesmo que levar “turistas” ao Cemitério do Père Lachaise” e abrir as sepulturas de Chopin, de Oscar Wilde, de Allan Kardec, de Edith Piaf e de outros vultos da humanidade, que no referido cemitério estão sepultados, para ver o que restou.

Nada mais mórbido. Nada mais desrespeitoso. Nada mais funesto, odioso e repugnante.  Senhores, deixem o Titanic em paz. Não façam turismo sobre a tragédia. O resultado pode ser fatal. Quem vai até lá, pode não voltar nunca mais.

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