Um ano e 18 dias separam duas das operações policiais que causaram mais mortes na história do Rio, ambas em favelas da zona norte da capital e sob a gestão do governador Cláudio Castro (PL). Na última terça-feira, dia 24, uma operação na Vila Cruzeiro terminou com 23 óbitos - uma mulher atingida por bala perdida e 22 suspeitos mortos em confronto, segundo a Polícia Militar. Já em 6 de maio do ano passado, no Jacarezinho, morreram 28 pessoas - um policial civil e 27 suspeitos atingidos em confronto, conforme a Polícia Civil.
Logo após a operação no Jacarezinho, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) criou uma força-tarefa para investigar as mortes, paralelamente à Polícia Civil. Esse grupo foi dissolvido no último dia 5, um dia antes de a operação completar um ano, após denunciar à Justiça quatro policiais civis, acusados pela morte de três pessoas, e dois supostos traficantes, acusados de envolvimento na morte do policial civil. Outras dez investigações sobre as demais 24 mortes foram arquivadas porque o MP-RJ não encontrou evidências capazes de indicar a prática de crime por parte dos policiais.
Cerca de 300 agentes participaram daquela operação. Mas, após ouvir 72 testemunhas (outras 89 foram procuradas, mas não foram localizadas ou não quiseram depor) e analisar laudos periciais, o MP-RJ concluiu que só 24 policiais estavam nos 13 locais onde os 27 suspeitos morreram. Não houve indícios de crime contra 20 deles. Foram denunciados os policiais civis Douglas de Lucena Peixoto Siqueira, Anderson Silveira, Amaury Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza.
Siqueira é acusado de matar o suspeito Omar Pereira da Silva. A vítima estaria desarmada e ferida, dentro do quarto de uma criança numa casa na travessa São Manuel. Nessa ação, Siqueira estava acompanhado por Anderson Silveira. Este não foi acusado pelo homicídio, porque não atirou.
Mas, segundo o MP-RJ, colocou uma granada no local onde Silva foi morto, apresentou à Polícia Civil uma pistola Glock calibre ponto 40 e um carregador que disse terem sido apreendidos com Silva. Também removeu o corpo antes que fosse realizada a perícia. Por essas três condutas, os dois policiais respondem por fraude processual.
"Omar não tinha capacidade de entrar em confronto com ninguém, porque estava com metade do pé destruído pelo tiro", afirmou o promotor Mateus Pinaud, que relatou a investigação, quando o MP-RJ ofereceu a denúncia, em outubro de 2021. "Com tais condutas, os denunciados (…), no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestamente ilícito, com o fim de eximir (…) de responsabilidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude", registra trecho da denúncia.
Mafra e Souza foram denunciados em 5 de maio passado pelas mortes de Richard Gabriel da Silva Ferreira e Isaac Pinheiro de Oliveira. Também respondem por fraude processual. Segundo o MP-RJ, os policiais entraram na casa onde os dois suspeitos se esconderam depois de terem sido feridos durante troca de tiros. Apesar de serem alertados de que não havia reféns, tanto que não houve oposição à entrada dos policiais nem tentativa de fuga dos suspeitos, os dois policiais encurralaram as vítimas em um cômodo vazio e dispararam vários tiros, sustenta o MP. A perícia confirmou ausência de vestígios de confronto.
Os dois policiais apresentaram à Polícia Civil duas pistolas, dois carregadores e uma granada. Disseram que pertenciam aos dois suspeitos, o que é mentira, segundo a denúncia.
A terceira denúncia ajuizada pela força-tarefa do MP-RJ foi contra os traficantes Adriano de Souza de Freitas, conhecido como Chico Bento, e Felipe Ferreira Manoel, conhecido como Fred. Chefes, segundo a polícia, do tráfico de drogas no Jacarezinho, foram denunciados por homicídio quintuplamente qualificado, pela morte do inspetor da Polícia Civil André Leonardo de Mello Frias. A investigação concluiu que não foram eles que atiraram, mas João Carlos Sordeiro Lourenço, de 23 anos. conhecido como Jota. Lourenço foi morto por policiais civis em 10 de fevereiro passado.
Quando matou o inspetor Frias, Lourenço era gerente do tráfico no Jacarezinho. Mas, segundo a Polícia Civil, ganhou posições na hierarquia do crime após ter matado o adversário. Os chefes da quadrilha foram denunciados por serem os supostos mandantes da morte de Frias. Eles também foram denunciados por outras 11 tentativas de homicídios, contra outros policiais civis que participavam da operação.
Não foi possível localizar a defesa dos acusados. A Força-Tarefa foi coordenada pelo promotor de Justiça André Luis Cardoso, titular da 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da Capital. Dela participaram também os promotores Flávia Maria de Moura Machado, Jorge Luis Furquim e Matheus Picanço.
Estadão / Dinheiro Rural