Carlos Newton
O Brasil é um país tão apodrecido institucionalmente que em Brasília foi considerado normal que o presidente da Câmara dos Deputados (Arthur Lira), tenha convidado o presidente da República (Jair Bolsonaro) para homenagear um ministro do Supremo (Gilmar Mendes). e neste festivo jantar o chefe do governo tenha aceitado manter uma reunião a portas fechadas com outro ministro do STF (Alexandre de Moraes), para juntos discutirem importantíssimos processos judiciais em fase de pré-julgamento.
Em qualquer outro país, isso significaria uma promiscuidade absolutamente inaceitável, mas aqui no Brasil ninguém critica o apodrecimento das instituições, e tudo passa a ser considerado “novo normal”.
ENTENDIMENTO? – No domingo, dia 26, Bolsonaro deu entrevista e até tocou no assunto. Disse que o ministro Moraes “falou 90% do tempo” e ele, apenas 10%. “Mais ou menos cinco minutos de conversa. Falei para ele: vamos conversar na próxima semana com mais tempo. E pode ser em qualquer lugar”, afirmou. O objetivo, segundo o chefe do Executivo, é que cheguem a um “entendimento”.
Mas como? Entendimento sobre processos judiciais? Mas o que é isso, companheiro?, perguntaria Fernando Gabeira. Como admitir que presidente da República e ministro do Supremo se reúnam a porta fechadas para chegar a entendimento sobre processos judiciais?
E o pior de tudo foi a informação do próprio presidente sobre o objetivo da conversa: “É para ver se consigo entendê-lo e ele me entender também, porque, pelo que ele falou ali, não me entende. Falou certas coisas que não procediam, não vou revelar o que é. Eu fiquei mais quieto, ouvindo ele falar. E pretendo conversar com ele sim, pretendo ver o que está acontecendo, porque no fundo eu quero diálogo e respeito à Constituição”, disse.
EXEMPLO DINAMARQUÊS – Essa esculhambação não é comum a todos os países, é claro, como se pode perceber ao assistir na TV â extraordinária série política “Borgen”, criada pelo produtor e roteirista dinamarquês Adam Price.
O enredo dá uma inveja danada aos brasileiros. Os ministros dinamarqueses, inclusive o premier, só têm direito de contratar exclusivamente um assessor de imprensa. Os demais auxiliares, que são poucos (chefe de gabinete e três ou quatro assessores, são todos servidores públicos, que permanecem no cargo quando muda o governo, uma prática que proporciona equilíbrio administrativo e respeito à ética política.
Em outros países europeus é a mesma realidade, que possibilitou à Bélgica ficar sem governo por 650 dias, entre 2018 e 2020, sem atravessar maiores crises, porque nos países mais evoluídos não existe essa prática de os três poderes maquinarem entendimentos espúrios, como se vê no Brasil.
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P.S. – O magnífico Olavo Bilac, criador do serviço militar obrigatório, inicia seu famoso poema “A Pátria”, com esta firmada convicção: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este!”. O poeta realmente tinha razão: não há país como este. No entanto, não custava nada organizar um pouquinho essa absurda esculhambação… (C.N.)