Em baixa nas pesquisas, presidente quer elevar valor do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás e criar o Auxílio Caminhoneiro. Lei proíbe novos benefícios em ano de pleito para evitar uso eleitoreiro.
Pressionado pelo mau desempenho nas pesquisas eleitorais, que indicam chance de derrota no primeiro turno em outubro, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ampliar os programas de transferência de renda do governo federal que beneficiam parte da população.
São três medidas principais: aumentar de R$ 400 para R$ 600 o valor do Auxílio Brasil, reajustar o Auxílio Gás de R$ 50 para R$ 120 e criar um Auxílio Caminhoneiro mensal de R$ 1 mil. Os novos valores seriam pagos a partir de junho e valeriam até o final do ano.
A intenção do Palácio do Planalto foi anunciada em 21 de junho e incluída na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/2022, que já tramitava no Senado. O relator do texto, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), deve apresentar nesta terça-feira (28/06) seu parecer. Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos por três quintos dos senadores, e depois pelos deputados com o mesmo rito.
O relatório de Bezerra Coelho estima que as três medidas, mais uma compensação ao setor de transportes pela gratuidade dos passageiros, custarão R$ 34,8 bilhões – mas o valor pode ser ainda maior, segundo cálculos de técnicos do governo.
A despesa para bancar essas medidas ficaria fora do teto de gastos, em mais uma exceção à regra aberta durante o governo Bolsonaro. Para financiá-las, o governo considera usar o pagamento de dividendos pagos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Petrobras e recursos arrecadados com a privatização da Eletrobras.
Mas há um obstáculo a esse plano. A Lei das Eleições proíbe a criação, pelo governo, de benefícios sociais no ano do pleito, exceto nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais já autorizados em lei e em execução orçamentária no exercício anterior – para evitar o uso eleitoreiro desses programas.
O Palácio do Planalto busca formas de se proteger da acusação de crime eleitoral. No caso do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás, argumenta que são programas já estabelecidos e em vigor. No caso do Auxílio Caminhoneiro, considera declarar estado de emergência devido à alta do diesel.
O que está em jogo e os custos envolvidos:
Auxílio Brasil: mais R$ 200
O Auxílio Brasil foi criado em outubro de 2021, para substituir ao mesmo tempo o Bolsa Família e o auxílio emergencial criado durante a pandemia de covid-19.
O programa paga atualmente o valor mínimo de R$ 400 mensais a 18,1 milhões de famílias – cerca de um quarto da população brasileira. Têm direito ao benefício as famílias com renda mensal per capita de até R$ 210.
A elevação valor para R$ 600 teria um custo extra de R$ 21,6 bilhões até o final do ano, segundo a projeção de Bezerra Coelho – mas pode ser ainda maior.
Auxílio Gás: mais R$ 70
O Auxílio Gás foi criado em novembro de 2021 e paga, a cada dois meses, o equivalente a 50% da média do preço do botijão de 13 kg. Atualmente, o benefício tem um valor de cerca de R$ 50.
A proposta do governo é elevar o Auxílio Gás para cerca de R$ 120 e cobrir o valor integral do botijão. Há também discussões para aumentar a periodicidade do pagamento, que passaria a ser mensal.
'Críticas ao preço do botijão de gás viraram marca dos atos contra o governo em 2021'
Têm direito ao Auxílio Gás as famílias com renda mensal per capita de até R$ 606 – não são considerados nesse limite os valores recebidos do Auxílio Brasil – ou que tenham pessoas no domicílio que recebam o Benefício da Prestação Continuada (BPC). Em junho, 5,7 milhões de famílias estavam inscritas para receber o Auxílio Gás.
O reajuste proposto pelo governo, mantida a periodicidade atual, custaria R$ 1,5 bilhão, segundo a projeção de Bezerra Coelho.
Auxílio Caminhoneiro: R$ 1 mil
O pagamento de um voucher mensal de R$ 1 mil a caminheiros é a terceira proposta do governo, que busca uma medida paliativa para fazer frente à alta do preço dos combustíveis – pela primeira vez, o diesel está mais caro que a gasolina no Brasil.
Seriam beneficiados cerca de 900 mil profissionais autônomos, sem vínculo trabalhista com empresas de transporte. O custo estimado é de R$ 5,4 bilhões.
Para definir quem terá direito, o governo pretende usar o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas, cadastro da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que não é atualizado desde 2017 e inclui também motoristas de veículos menores, como kombi e furgão, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.
Os caminhoneiros são um importante elo da cadeira logística no Brasil e uma base eleitoral tradicional de Bolsonaro. A aprovação desse auxílio, porém, depende da instituição de um estado de emergência no país.
'Caminhoneiros são elo importante da cadeia logística e compõem parte da base eleitoral de Bolsonaro'
A criação do Auxílio Caminhoneiro foi criticada por representantes da própria categoria, que defendem uma mudança de longo prazo na política de preços praticada pela Petrobras.
O deputado federal Nereu Crispim (PSD-RS), presidente da Frente Parlamentar dos caminhoneiros no Congresso, disse que a medida era uma "presepada" do governo e que "nem R$ 5 mil resolvem". "Caminhoneiro não quer assistencialismo para ficar refém de político que a qualquer momento pode fazer chantagem eleitoral. Quer política sustentável para administrar seu negócio sem interferência estatal", afirmou.
Risco de crime eleitoral
A ampliação do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás e a criação do Auxílio Caminhoneiro estão sendo acompanhadas de perto pelo Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pela fiscalização das contas do governo, e também pode vir a ser contestada na Justiça Eleitoral.
Esse risco levou Bolsonaro a assinar um decreto nesta segunda-feira que transfere para a Advocacia-Geral da União (AGU) a responsabilidade de emitir pareceres sobre a legalidade de iniciativas do governo em ano eleitoral. Atualmente, esses pareceres são emitidos pelas equipes de consultoria jurídica dos ministérios envolvidos, e a AGU só atua em caso de conflito.
O decreto estabelece que caberá à AGU se manifestar sobre "os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de direito eleitoral e de direito financeiro, no último ano do mandato presidencial".
O fato de a AGU, hoje sob o comando de Bruno Bianco, redigir os pareceres não blinda Bolsonaro contra eventuais contestações e decisões judiciais sobre esses temas. Se provocado, caberá em última instância ao Judiciário decidir se os reajustes nos programas sociais e a criação de um novo, tão perto da eleição, violam ou não a regra eleitoral, mesmo com a eventual decretação do estado de emergência.
Deutsche Welle