Dora Kramer
O palavrório não paga pedágio. Daí que com todo mérito que merece o Congresso, essa súbita transição da apatia à euforia no caso do Ficha Limpa só se configurará uma trajetória em direção ao avanço quando os partidos e os políticos se dispuserem a mu
O líder do governo Romero Jucá não apareceu na sessão de ontem da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovou por unanimidade o projeto Ficha Limpa em caráter de urgência e no início da noite no plenário.
Pois antes da hora do jantar Jucá já tinha sido atropelado pela sociedade que levou até seus pares governistas a transitar do mais absoluto desdém à mais inflamada das paixões pelo projeto que veta candidaturas de gente com contas abertas na Justiça.
O que já ocorrera na Câmara, aconteceu de novo na sessão de ontem pela manhã na CCJ e com uma rapidez inédita no plenário do Senado. Ineditismo que chega mesmo a ser inusitado.
Muito se falou sobre essa causa que parecia perdida e ganhou a batalha de virada.
Nem a contraofensiva preparada pela liderança governista no Senado resistiu a 15 minutos e teve de abrir alas ao pedido de passagem da pressão popular em ano eleitoral.
Faltou, porém, examinar um outro aspecto da cena: o cotejo entre o entusiasmo retórico dos parlamentares, a animação cidadã do eleitorado e o comportamento de todos esses atores face à realidade cotidiana.
O deputado Chico Alencar levantou a lebre. No último dia de votação do Ficha Limpa na Câmara, enquanto observava os colegas que tanto gostam de proteger quebras de decoros, defender práticas questionáveis e distorções assemelhadas, eufóricos em seus discursos em defesa da “das fichas limpas”, escreveu uma mensagem.
“Estou preocupado com os excessos de autoelogios derivados do raro momento de encontro do Parlamento com a demanda popular. Não podemos vender ilusões e dizer que começou a acabar a corrupção e que agora o Brasil só terá eleições limpas, candidaturas cândidas. Menos!”
O deputado pede atenção para o controle dos partidos na formação da lista de candidatos, o cuidado do eleitor com a escolha do voto e zelo com o seguinte: o fato de alguém não ter processo não lhe garante a lisura de conduta.
“Muitos fichas-escondidas, sujíssimas, seguirão sendo candidatos, pois a grande maioria dos inescrupulosos atraídos pela vida pública jamais sofreu qualquer condenação judicial. Contra esses, o único remédio é o voto consciente.”
Dá mais trabalho, não dá para transferir a responsabilidade aos partidos, mas é um caminho mais seguro, civilizado, politizado e educativo.
Chico Alencar não desqualifica o valor da pressão popular. Ao contrário. Só alerta que não é coisa que se faça como um episódio para depois sair de cena.
Pelo seguinte, na transmutação do Congresso nesse caso do projeto Ficha Limpa muita gente boa e bem intencionada, que em geral é deixada de lado, pôde retomar o espaço perdido.
Mas uma quantidade enorme de oportunistas pegou carona nessa história, esperando que não dê tempo de a regra valer para a eleição de 2010.
Em geral são os que fazem os discursos mais exorbitantes. O palavrório não paga pedágio. Daí que com todo mérito que merece o Congresso, essa súbita transição da apatia à euforia no caso do Ficha Limpa só se configurará uma trajetória em direção ao avanço quando os partidos e os políticos se dispuserem a mudar os comportamentos de fato.
Farão isso por geração espontânea, por obra e graça do Espírito Santo, ou sempre que houver uma eleição?
Em nenhuma dessas situações. Só há um jeito: é a estreita, permanente e contundente, vigilante, insistente e, sobretudo, saudavelmente cética, cobrança social.
Talião
A área jurídica do PSDB aconselha o partido a seguir a Lei Eleitoral no programa do dia 17 de junho, mas admite que não tem como assegurar aos políticos que, se mantiverem a compostura, serão recompensados pelo rigor da Justiça em relação ao adversário.
De onde prevalece, segundo o deputado Jutahy Júnior, o seguinte entendimento no partido: “Apresentar o candidato (José Serra), fazer de fato um programa com efeitos eleitorais. Se o tribunal permite ao PT reincidir, usando duas vezes o programa partidário como horário eleitoral, nós vamos fazer o quê? Nem o eleitor compreenderia se agíssemos de maneira diferente.”
Fonte: Gazeta do Povo