Relatório da ONU acusa forças de segurança do Rio de matarem, em média, três pessoas por dia
GENEBRA - A ONU acusa a polícia do Rio de Janeiro de matar em média três pessoas por dia e de fazer parte cada vez mais do crime organizado. Ontem, durante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o relator especial sobre assassinatos sumários, Philip Alston, apresentou suas conclusões sobre a situação no Brasil. O encontro termina hoje, com as respostas do Itamaraty e comentários de outros países. O governo já indicou que irá contestar por escrito alguns dados apresentados pelo relator.
"A polícia fracassou em reconquistar as favelas das mãos das gangues. A estratégia baseada em mortes extrajudiciárias com a aprovação do estado fracassou tremendamente" alertou Alston aos membros da ONU. O relator visitou o Rio em novembro do ano passado e não foi recebido pelo governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). Ontem, apontou que desde então a situação está cada vez mais grave.
Segundo Alston, as medidas do governo do Rio de Janeiro em 2007 geraram um aumento no número de mortes pela polícia, mas uma redução na apreensão de drogas e de armas nas favelas. Para ilustrar como o governo fluminense fracassou, Alston apresentou a embaixadores de todo o mundo dados que ele considerada como alarmantes. As mortes pela polícia aumentaram em 25% entre 2006 e 2007 e as forças de ordem seriam responsáveis por 18% dos crimes de morte no estado, classificando-os como atos de resistência. "Isso dá um cheque em branco aos policiais e total impunidade", disse.
Já os resultados seriam decepcionantes. "O aumento dramático de mortes foi acompanhado por uma redução de 5,7% na apreensão de drogas, queda de 16,9% no confisco de armas e de 13,2% nas prisões", alertou. "Em outras palavras, os cidadãos do Rio estão menos seguros e inocentes estão sendo feridos e mortos pela polícia", afirmou.
Na avaliação do relator, a operação no morro do Alemão, em junho de 2007, é o exemplo de tudo o que não deve ser feito. Para ele, a operação não trouxe resultados e gerou a morte de 19 pessoas. O pior, segundo Alston, é que o número de operações aumentou em 2008, com um total de 46 mortes. O que o deixa indignado é que as autoridades vendem as ações como um sucesso e prometem mantê-las.
A situação do Brasil foi tratada na mesma discussão sobre a crise de violência no Afeganistão e no Sri Lanka. A reportagem já havia divulgado na semana passada o conteúdo do relatório que condena a situação da violência no Brasil. A ONU divulgará o restante do documento em julho.
Ontem, ao apresentar sua avaliação sobre o Brasil, Alston optou por focar no Rio de Janeiro. O governo federal afirmou desconhecer o motivo dessa escolha do ataque ao Rio.
Crime organizado
Para Alston, um dos problemas mais sérios é o envolvimento dos policiais em esquadrões da morte e milícias. Embora não tivesse informações sobre a milícia que seqüestrou e torturou uma equipe de reportagem do jornal "O Dia" no mês passado, a notícia de que o grupo contaria com policiais não o surpreendeu.
"Nada foi feito nos últimos meses para reduzir a influência dessas milícias nem para afastar a participação de policiais", disse. "O Rio vive um enorme problema de drogas, gangues, violência e insegurança geral", disse. Segundo um diplomata, Alston foi além do que estava previsto para ser apresentado.
Para Alston, as autoridades fluminenses não têm respostas aos problemas. "As ações do governo se limitam a medidas de fogos de artifício e mortes com alta visibilidade", atacou.
Resposta
O governo, que hoje fará um discurso sobre o assunto, afirmou que irá contestar por escrito os números apresentados por Alston. "Achamos que há alguns dados que precisam ser verificados", explicou Marcia Adorno, chefe do Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty.
Em seu discurso, o governo irá ressaltar o que vem fazendo. "Achamos que o relatório não enfatiza os aspectos positivos das políticas que estamos tomando", afirmou Marcia. Mas o governo não irá negar que os problemas de violência existem no Rio.
O governo ainda conta com partes do relatório mantidas em confidencialidade, mas afirma que por enquanto não o divulgará. Para Alston, o governo federal poderia até ficar feliz com as conclusões do relatório, já que as críticas seriam dirigidas muito mais aos estados. "O governo federal está de mãos atadas", atacou. Para Marcia, "isso é algo exagerado".
Alston quer também uma resposta do governo do Rio de Janeiro. "Espero que seja algo com conteúdo e não apenas que rejeitem os dados", disse. Já ONGs que estavam na sala, como a Anistia Internacional, afirmaram terem ficado "chocadas" com as informações sobre o Brasil.
Medidas
A ONU pediu medidas urgentes do governo. Entre elas está a reforma do sistema judiciário para poder julgar policiais, além de maiores salários aos policiais para que não caiam em esquemas de corrupção. Para Marcia, os valores dos salários divulgados no relatório não estariam corretos.
Alston ainda sugere uma ampla investigação na atuação das policias, e monitoramento das prisões e maiores recursos para os Ministérios Públicos. A ONU alerta que entre 45 mil e 50 mil pessoas são vítimas de homicídios no Brasil por ano.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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