Em um país com risco fiscal crescente a dívida não tende a cair
Por Claudia Safatle (foto)
O Brasil deve fechar o ano com superávit primário nas contas do governo central, o que não ocorre desde 2013, e no consolidado do setor público. Mas, ainda assim, há uma desconexão entre as expectativas do mercado e os dados reais da política fiscal.
No Ministério da Economia, atribui-se essa desconexão a “sinais misturados” entre o que está ocorrendo no mundo, sobretudo nos países da Zona do Euro e nos Estados Unidos, que estão, agora, sob aperto monetário, e os indicadores domésticos.
Quando, nas conversas dos economistas oficiais com os do setor financeiro, alguém argumenta, por exemplo, que o Credit Default Swap (CDS) do Brasil, um titulo que funciona como indicador de risco de crédito de um país, piorou, ouve-se que sim, mas que piorou menos do que os dos demais países emergentes. E assim trava-se uma tentativa de persuasão.
Segundo estimativas oficiais, a dívida bruta do governo geral como proporção do PIB, que é o principal indicador de solvência do país, deve encerrar o ano em 78,5%, uma pequena alta se comparada com os 78,3% registrados no ano passado. O aumento continua até 2024, quando sobe para 79,1% do PIB, por causa da elevação em curso da taxa de juros. E a partir daí iniciaria um processo de queda gradual chegando à 72,3% do PIB em 2030, por uma combinação de fatores, a começar pela redução da despesa pública.
Um país onde há um risco fiscal crescente a dívida como proporção do PIB não tende a cair, ao contrário, avaliam fontes do ministério da Economia. A própria pesquisa Focus, do Banco Central, tem apontado tendência de queda da relação dívida/PIB. “O mercado tem errado, sistematicamente, os dados sobe o endividamento”, salienta um assessor oficial, especialista em politica fiscal.
Outro fato que contaminou as expectativas dos economistas do setor privado em relação ao resultado das contas públicas no país foi a aprovação da “PEC das Bondades”, que aumentou o Auxílio Brasil de RS 400 para R$ 600 e estendeu para os caminhoneiros e taxistas um auxílio de maior valor, dentre outras medidas. “A PEC é fiscalmente neutra”, assinalam fontes do Ministério da Economia, repetindo o que o ministro Paulo Guedes vem argumentando. “E ela será atropelada pelo resultado estrondoso da arrecadação de junho”, completam as fontes, referindo-se aos dados divulgados ontem pela Receita Federal”, que retratam um novo recorde da arrecadação de impostos e contribuições.
A despesa pública também está em queda, e, nela, destaca-se especialmente os gastos com pessoal que, no ano passado ficou no mesmo patamar do que era em 2014, na casa dos R$ 345 bilhões. Esse é um aspecto que não se sustentará mais por muito tempo, pois dificilmente o governo conseguirá segurar as reivindicações dos servidores federais por mais um ano.
Mas a reposição de funcionários que se aposentam será cada vez mais parcimoniosa. Até porque está produzindo uma boa economia na folha de pagamentos e não há necessidade de se contratar mais funcionários para diversos serviços prestados de forma virtual. Pensa-se em repor funcionários da área da defesa agropecuária, assim como acontece com auditores da Receita Federal e do INSS.
As despesas primárias, que desconsideram os gastos com o pagamento de juros, eram de 19,3% do PIB assim que Bolsonaro assumiu a Presidência da República e devem encerrar o ano e o mandato do governo em 18,7% do PIB. Seriam menores, não fosse o aumento do gasto público produzido pela “PEC das Bondades” ou “Kamicase”, que, no entanto, tem impacto fiscal neutro porque será financiada integralmente por receitas extraordinárias. São cerca de R$ 57 bilhões entre a PEC e a isenção de impostos sobre combustíveis que terão cobertura pelo recorde de arrecadação tributária.
Essas são informações bastante positivas sobre resultados fiscais que não devem e não podem ser conspurcados por medidas aprovadas pelo Congresso ou pelo Executivo que deem uma “mão” na contabilidade pública ao flexibilizar regras orçamentárias como mostrou a excelente coluna da repórter Lu Aiko Otta, neste mesmo espaço, publicada na edição de ontem.
Tomara que não seja por razões ou dúvidas desse tipo que os economistas do mercado, a despeito dos dados, continuam pouco convencidos dos argumentos e dos prognósticos do governo.
Valor Econômico