Feres Sabino
O parecer prévio pode se transfigurar em letra morta, por uma omissão coletiva, aprovando-se as contas, por decurso de prazo, segundo jurisprudência dominante antes da lei da Ficha Limpa.
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
Atualizado em 5 de outubro de 2016 08:59
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O voto direto é o ato sagrado de uma democracia, que não se esgota naquele sufrágio de um único dia, de quatro em quatro anos. Fala-se, pois, da democracia participativa, que vincula a cidadania nos projetos e decisões dos órgãos e poderes públicos, ou mesmo em entidades ou associações privadas, especialmente as de cunho social.
Seguramente, os que conseguem se eleger, seja com a boa ou a má informação de cada eleitor são investidos de autoridade e de poder, que merecem respeito, pois, é a soberania popular a fonte da qual surgiu sua eleição vitoriosa.
Eleitos, juram cumprir a CF e as leis do País.
Nesse quadro as matérias de políticas públicas e quaisquer outras são oferecidas à consciência do parlamentar eleito, podendo ele votar a favor, votar contra, ou não votar.
No entanto, há uma pergunta, ou por outra, há uma questão torturante: o parlamentar, vereador ou deputado ou senador, pode não votar as contas do chefe do Executivo ordenador de despesas, dentro do prazo que a lei ou o regimento interno da casa estipula? O parecer prévio pode se transfigurar em letra morta, por uma omissão coletiva, quiçá deliberada, aprovando-se as contas, por decurso de prazo, segundo jurisprudência dominante antes da lei da Ficha Limpa, e que foi ressuscitada recentemente por decisão do STF? Aliás, a ressureição não é expressa, ela é implícita.
E, quando ele se refere ao Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder Legislativo, órgão não julgador, o faz acertadamente. Ele é um órgão auxiliar, ele conclui seu processo administrativo com um parecer prévio de um julgamento que só pode ser do Poder Legislativo.
Se o parlamentar é obrigado a votar pela imperatividade das leis, que cercam essa matéria fundamental, em prol do interesse público, seu ato tem a natureza de ato de oficio, que se define como "ato que o funcionário público deve praticar segundo seus deveres funcionais", no capítulo do Código Penal, que se refere aos "Crimes contra a administração pública".
Ora, parlamentar é agente público, não é funcionário.
Para iniciar resposta a essa questão, cumpri visitar a CF, no seu artigo 49 e seu item IX, que literalmente dispõe:
"Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: ... IX- julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de seu governo".
Para dispensar a leitura da CE, e mesmo da lei Orgânica dos Municípios, já que não podem escapar da simetria dos comandos constitucionais, ler-se-á o item 11 do artigo 71, e o artigo 31 § 2º de nossa CF, que imperativamente dispõe:
"Art.71 ... 11- A mesma disciplina será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma a lei.
§ 2º do art. 31 - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal".
O pressuposto da lei, quando fixa em 2/3 o quórum para rejeitar o parecer do Tribunal de Contas, é de que deve haver um julgamento, e nele os parlamentares aprovam as contas ou não. Nesse pressuposto não existe a alternativa da omissão. Não há possibilidade de omissão individual ou coletiva, pois, toda legislação é imperativa. O legislador nem poderia conferir efeito jurídico no julgamento desse ato, porque a admissão de rejeição pelo decurso de prazo, na verdade é o estabelecimento de um campo santo de irresponsabilidade política, no espaço público dos Poderes do Estado Democrático de Direito do Brasil, o que é absolutamente insuportável e desmoralizador do sistema de representação popular.
Acredita-se que, na atividade parlamentar, encoberta pelo juramento de cumprir a CF e as leis do país, quando elege a omissão como substituto de seu ato de oficio, segundo o qual ele, parlamentar, é obrigado a dizer ou sim ou não ao parecer prévio dos Tribunais de Contas, relativo às contas do Executivo ordenador de despesas, essa omissão gravíssima invade a previsão do art. 4 da lei 8.424/92 (Lei de Improbidade Administrativa), que literalmente diz : "Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade nos tratos dos assuntos que lhe são afetos". E, antes, no seu artigo 2º está a compreensão de agente público, a saber: "... todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação ...".
A legitimidade para propor a ação civil pública é o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada, que para essa última hipótese, entende-se que é a pessoa jurídica diretamente atingida pelos atos impugnados, excluindo controvertidamente dessa arena o Conselho Federal da Ordem do Brasil.
Entretanto, o STF já decidiu que agentes políticos não praticam ato de improbidade, mas crimes de responsabilidades regidos pela lei 1079/50, quando julgou chefe de missão diplomática permanente, e essa lei só se aplica a deputados, senadores e Presidente da República, para ficar só nas autoridades eleitas. Para os vereadores e prefeitos está reservado outro diploma legal, O decreto 201/67, que não tipifica a omissão do vereador relativa às contas do Executivo ordenador de despesas.
Portanto, uma lei especial, a ação de improbidade administrativa inclui o agente público que exerce cargos por eleição, e o outro diploma especial não tipifica a omissão precitada como crime de responsabilidade.
Não pode existir lacuna de leis, para no caso acobertar o crime de afrontar princípio constitucional que não tolera a omissão, no caso do parecer prévio do Tribunal de Contas.
Se a imunidade do exercício da vereança tem raiz constitucional, quando prevê a "inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos, no exercício de seu mandato e na circunscrição do município", ela não acoberta com sua proteção a omissão do vereador, no caso especifico em que a câmara, constitucionalmente, é obrigada a julgar, violando assim com sua omissão o princípio da legalidade e o da moralidade.
O vereador omisso estará sujeito ao processo judicial de uma ação de improbidade administrativa, cujo titular é o Ministério Público.
Aliás, se existisse lacuna na ordem jurídica, o julgador extrairia do sistema jurídico, com os princípios expressos ou implícitos da CF, a regra para suprir tal ausência. O exemplo atual mais exuberante dessa prática foi o afastamento do Presidente da Câmara de Deputados, inclusive com a proibição de circular pelas dependências desse local.
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*Feres Sabino é advogado.
: https://www.migalhas.com.br/depeso/246839/existe-um-campo-santo-de-irresponsabilidade-parlamentar-impune