Para lavar dinheiro, quadrilhas investem em empresas de transporte, incorporadoras e clínicas médicas
É alarmante a forma como as organizações criminosas têm se expandido para o mercado formal. Não só para lavar dinheiro e despistar as autoridades, mas também como fonte de renda para financiar o próprio crime. Investigações da Polícia Civil de São Paulo revelam que a maior facção do estado, que atua também fora do país, investe em empresas de transporte, no mercado imobiliário e até em clínicas médicas e odontológicas aparentemente insuspeitas.
Segundo a polícia, seus integrantes controlam pelo menos 250 loteamentos clandestinos na capital. Desde 2017, as quadrilhas mantêm um esquema com empresas de fachada em nome de “laranjas” para invadir áreas de preservação ambiental e vender lotes clandestinos. Lesaram milhares de cidadãos que pensavam comprar imóveis legais.
A estratégia criminosa tem sido usada também por milicianos no Rio. Venda e aluguel de imóveis ilegais são uma das principais fontes de arrecadação das milícias. Tudo facilitado pela falta de fiscalização do poder público e pela debilidade das políticas habitacionais nos três níveis de governo, que transformam em presas fáceis as famílias em busca da casa própria. Às vezes o enredo tem desfecho trágico. Em 2019, dois prédios construídos por milicianos desabaram na comunidade da Muzema, Zona Oeste do Rio, matando 24 moradores.
A investida no setor de transportes também tem chamado a atenção. Pelo menos duas empresas que mantêm contratos formais com a Prefeitura de São Paulo, Transunião e UPBUS, são investigadas por envolvimento com o crime organizado. A polícia diz que acionistas da UPBUS pertencem ao alto escalão da organização criminosa. Na Transunião, funcionários sem alinhamento com o bando foram expulsos e substituídos por integrantes da facção.
O envolvimento do crime no transporte urbano em São Paulo não é novo, só que antes costumava mirar peruas e vans. Elas foram legalizadas nas gestões petistas de Marta Suplicy e Fernando Haddad, mas continuaram sob controle de criminosos. Hoje o domínio pode ser maior do que se imagina. Um delegado disse ao GLOBO que a maior facção do estado domina quase todo o setor de ônibus de São Paulo.
Não menos assustadora é a captura de unidades de saúde pelo crime. Segundo a polícia, um único integrante da facção paulista chegou a ter 60 clínicas médicas e odontológicas em São Paulo. Por concentrar atendimentos, a atividade permite aos criminosos inflar os números para lavar dinheiro do tráfico sem despertar atenção. Ao mesmo tempo, ampara os integrantes da quadrilha feridos em confrontos.
Está claro que o combate às organizações criminosas que dominam comunidades em todo o país demanda mais inteligência. As quadrilhas se sofisticaram e se imiscuíram em atividades aparentemente legais, mas o dinheiro sempre deixa rastro. Não se pode permitir que tais negócios prosperem. É estarrecedor que criminosos estejam à frente de incorporadoras, empresas de transporte e clínicas.
O Globo