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sábado, fevereiro 26, 2022

A pergunta agora é: onde Putin vai parar?




A história julgará com severidade o tirano russo

Ao momento em que começou, no início de uma lúgubre manhã cinzenta, ontem, o ataque contra a Ucrânia ordenado pelo presidente russo, Vladimir Putin, havia adquirido uma repugnante inevitabilidade. Ainda que nada sobre essa guerra fosse inevitável. Trata-se de um conflito completamente fabricado por ele. Nos combates e no sofrimento que estão por vir, muito sangue ucraniano e russo será derramado. Cada gota sujará as mãos de Putin.

Por meses, enquanto o presidente russo permanecia recluso, reunindo aproximadamente 190 mil soldados russos nas fronteiras da Ucrânia, uma dúvida pairou: o que este homem quer? Agora que está claro que ele almeja a guerra, a dúvida é: onde ele vai parar?

A julgar pelas palavras de Putin na véspera do ataque, sua intenção é que o mundo acredite que nada o impedirá. Em seu discurso de guerra, gravado no dia 21 e transmitido enquanto ele lançava as primeiras saraivadas de mísseis de cruzeiro contra seus companheiros eslavos, o presidente russo vociferou contra “o império de mentiras” que é o Ocidente. Gabando-se de seu arsenal nuclear, ele ameaçou diretamente “esmagar” qualquer país que tentar impedi-lo.

Relatos iniciais, alguns não confirmados, apenas sublinharam a escala de sua ambição. Especulou-se que o presidente russo poderia se satisfazer com o controle sobre Donetsk e Luhansk, regiões do leste da Ucrânia que contêm pequenos enclaves apoiados pela Rússia e foram objeto de diplomacia de último minuto. Mas tudo isso desmoronou em face ao vasto ataque.

Os relatos deram conta de que forças russas atravessaram as fronteiras da Ucrânia pelo leste, na direção de Carcóvia, a segunda maior cidade ucraniana; pelo sul, a partir da Crimeia, na direção de Kherson; e pelo norte, a partir de Belarus, a caminho de Kiev, a capital. Não ficou claro a que ritmo as forças russas estão se movendo. Mas Putin aparentemente cobiça toda a Ucrânia, conforme afirmam desde o início dados de inteligência dos americanos e dos britânicos. Ao agir, o presidente russo descartou o cálculo cotidiano de riscos e benefícios políticos. Em vez disso, está motivado pela perigosa e alucinada ideia de que tem um encontro marcado com a História.

É por este motivo que, se Putin conquistar uma grande fatia da Ucrânia, o ceifador de territórios, não parará em suas fronteiras para fazer paz. Ele poderá não invadir países da Otan que integraram o império soviético, pelo menos não num primeiro momento. Mas, insuflado pela vitória, ele os sujeitará a ciberataques e guerra de informação que beiram o limite do conflito.

Inimigo

Putin ameaçará a Otan dessa maneira porque veio a acreditar que a aliança ameaça a Rússia e seu povo. Discursando esta semana, ele se enfureceu com a expansão da Otan ao leste. Posteriormente, denunciou um “genocídio” fictício na Ucrânia, segundo ele financiado pelo Ocidente. Putin não pode dizer aos russos que seu Exército está lutando contra irmãos e irmãs ucranianos que conquistaram liberdade. Então, ele lhes diz que a Rússia está em guerra contra os Estados Unidos, a Otan e seus aliados.

A abominável verdade é que Putin lançou, sem provocação, um ataque contra um país vizinho soberano. Ele está obcecado com a aliança defensiva a oeste. E está atropelando os princípios que fundamentam a paz no século 21. É por isso que o mundo deve infligir um custo pesado sobre sua agressão.

Isso começa com amplas sanções punitivas contra o sistema financeiro da Rússia, suas indústrias de alta tecnologia e sua elite endinheirada. Pouco antes da invasão, quando a Rússia reconheceu as duas repúblicas, o Ocidente impôs apenas sanções modestas. Agora, não deve hesitar. Mesmo que a Rússia tenha estabelecido uma economia fortificada, ainda é conectada ao mundo e, conforme demonstra a queda inicial, de 45%, no mercado de ações russo, o país sofrerá.

É verdade que as sanções também prejudicarão o Ocidente. Os preços do petróleo ultrapassaram US$ 100 o barril com a invasão. A Rússia é o maior fornecedor de gás à Europa. Exporta minérios como níquel e paládio e, assim como a Ucrânia, exporta trigo. Tudo isso ocasionará problemas num momento em que a economia mundial luta contra inflação e perturbações em cadeias de fornecimento. E ainda assim, na mesma medida, o fato de os países ocidentais estarem preparados para sofrer com sanções manda a Putin a mensagem de que o Ocidente se preocupa com suas transgressões.

Otan

Uma segunda tarefa é reforçar o flanco oriental da Otan. Até agora, a aliança buscou agir dentro dos parâmetros do pacto que assinou com a Rússia em 1997, que limita operações da Otan no antigo bloco soviético. A Otan deve rasgá-lo e valer-se da liberdade que isso engendra para guarnecer o leste com tropas. Isso levará tempo. Enquanto isso, a Otan deve comprovar sua união e seu intento, enviando imediatamente sua força de reação rápida, de 40 mil soldados, para os países na linha de frente. Essas tropas adicionarão credibilidade à sua doutrina de que um ataque contra um membro é um ataque contra todos. E também sinalizarão para Putin que, quanto mais ele se aprofundar na Ucrânia, mais provável será que ele acabe fortalecendo a presença da Otan em suas fronteiras – exatamente o oposto do que ele pretende.

E o mundo deveria ajudar a Ucrânia a defender-se e ao seu povo, que arcará com o ônus do sofrimento. Poucas horas após o início da guerra vieram os primeiros relatos de mortes de militares e civis. Volodmir Zelenski, o presidente, conclamou seus compatriotas a resistir. Eles devem escolher como e onde repelir Putin, seu Exército e seus apoiadores caso o russo instaure um governo fantoche em Kiev. A Otan não está acionando tropas para a Ucrânia imediatamente – o que é correto, pelo temor de um confronto entre potências nucleares. Mas seus membros devem dar assistência à Ucrânia provendo armas, dinheiro, abrigo a refugiados e, caso necessário, um governo no exílio.

Riscos

Alguns dirão que é arriscado demais desafiar Putin nesses termos – porque ele perdeu contato com a realidade; ou porque ele escalará o conflito, errará cálculos ou abraçará a China. Isso, em si, seria um erro de cálculo. Depois de 22 anos no topo, até mesmo um ditador com um senso exagerado a respeito do próprio destino tem faro para sobreviver e lidar com as idas e vindas do poder. Muitos russos, confusos com a crise que apareceu do nada, podem não estar entusiasmados a respeito de travar uma guerra mortífera contra seus irmãos e irmãs na Ucrânia. Esse é um elemento que o Ocidente pode explorar.

Conciliar-se com Putin na esperança de que ele passará a se comportar gentilmente seria ainda mais perigoso. Até mesmo a China deveria perceber que um homem que avança violentamente através de fronteiras é uma ameaça à estabilidade que Pequim busca. Quanto mais livre Putin estiver para agir hoje, mais determinado estará para impor sua visão amanhã. E mais sangue será derramado para finalmente fazê-lo parar.

The Economist / O Estado de São Paulo

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