Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Nenhum dia mais apropriado do que a Quarta-Feira de Cinzas, anteontem, para o governo Lula demonstrar impotência diante das megaempresas que o vêm desafiando faz algum tempo. Ao receber a diretoria da Embraer, no palácio do Planalto, o presidente ouviu, alto e bom som, que não serão revistas as 4 mil demissões de uma semana atrás.
É claro que a Embraer continuará recebendo ajuda oficial, participará da farra dos 100 bilhões de reais que o BNDES distribui, valer-se-á de benesses fiscais e talvez ainda receba, por conta, algumas encomendas de aviões suplementares para as Forças Armadas. Mas rever demissões, ou mesmo prometer que elas se encerraram, de jeito nenhum.
Esse é o retrato do País. O governo dos trabalhadores protesta, lamenta e estrila, mas acovarda-se diante da postura empresarial responsável por demissões em massa no sistema econômico. Também, quem mandou entregar o jogo antes mesmo dele começar, em 2002, na tal "Carta aos Brasileiros"?
Esperavam-se mudanças fundamentais de um torneiro-mecânico feito presidente da República, mas ele preferiu seguir a cartilha do antecessor, privilegiando o mercado e abrindo mão de interferir na economia. Ao capital, tudo. Ao trabalho, menos do que já recebia.
Poderia ter sido diferente o diálogo entre o Lula e os caciques da Embraer? Na teoria, sim. Bastaria o presidente comunicar a suspensão da ajuda oficial e das facilidades no setor dos impostos, preparando-se para a tréplica, que seria o anúncio de mais demissões. Com a iniciativa de novo em suas mãos, convidaria os interlocutores a se retirar e, na soleira da porta de seu gabinete, anunciaria estar a Embraer sob intervenção federal, a partir daquele momento.
O dinheiro do BNDES devido à empresa, através de seus diretores, seria de imediato destinado diretamente à conta salarial dos trabalhadores, inclusive os demitidos, logo a seguir readmitidos. Um interventor de pulso tomaria essas iniciativas em quinze minutos, promovendo em seguida ampla devassa nas contas postas à sua análise.
O exemplo pegaria feito sarampo nas demais empresas recalcitrantes em interromper demissões em troca de reforço de caixa. E não se suponha nelas coragem para continuar a queda de braço, cientes de que o poder público prevalece sobre os interesses privados. Ainda mais porque, coincidência ou não, as demissões vêm atingindo especialmente as empresas privatizadas no período do sociólogo.
Encheram as burras, lucraram o que não podiam, depois de adquiridas na maior parte com capital público, do BNDES, dos fundos de pensão e de outras fontes estatais. Entrando em dificuldades, chegando ao estado pré-falimentar por conta da ambição especulativa de seus novos donos, mantém a arrogância neoliberal já escoada pelo ralo em boa parte do planeta.
Enquanto isso, o presidente Lula lamenta, protesta, estrila, mas não age.
O reverso da medalha
Razão não pode ser negada ao presidente do Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes, quando critica o fato de o MST e congêneres promoverem invasões e até assassinatos recebendo dinheiro público. Haveria, porém, o reverso da medalha: por que não verberar, também, os donos de terra que contratam jagunços, matam até com mais frequência e continuam valendo-se de créditos especiais e ajuda permanente do Banco do Brasil e sucedâneos? Da mesma forma, como não denunciar os bilhões destinados anualmente a ONGs fajutas e postas a serviço de interesses antinacionais, em especial na Amazônia?
Se for para exortar o Ministério Público a agir contra o MST, sugestão mais do que justificada, a hora também seria de mobilizar o arcabouço estatal sobre os excessos do outro lado.
O mesmo perigo de sempre
Ressurge, depois da folia do Carnaval, a tese do terceiro mandato para o presidente Lula. Num Congresso vazio, em Brasília, vem dos estados certos sinais de que a continuação do Lula no poder resolveria problemas que só tendem a avolumar-se. Problemas para os donos do poder, é claro, que dia a dia sentem a impossibilidade de dona Dilma decolar como candidata, apesar da alta exposição a que se dedica. Na comissão de frente formam os caciques do PT, ainda que mascarados para não irritar o presidente da escola. Logo atrás surge a bateria do PMDB, para a qual melhor seria ficar tudo como está do que arriscar-se a atravessar o samba. Não faltam as baianas dos pequenos partidos ou os carros alegóricos do empresariado, desconfiados de que com José Serra poderiam ter que financiar as próprias fantasias.
Há que esperar as próximas pesquisas eleitorais, ainda que não passe despercebido o esforço desenvolvido pelo governo para condicionar os resultados. As empresas do setor, afinal, precisam de fregueses. Com raras exceções.
O cachorro inexistente
Leon Trotski, fundador do Exército Vermelho e responsável pela vitória da Revolução de Outubro pelas armas, conta em suas memórias que a imprensa hostil não se cansava de anunciar suas derrotas. A bordo de um trem que percorreu mais de 120 mil quilômetros do território soviético, ele conduzia as batalhas e as esperanças, mas era informado todos os dias de ter sido "quase preso" pelas forças brancas. Não raro publicavam na Alemanha, França e Inglaterra que ele conseguira escapar, mas que o seu cão de estimação fora capturado.
"Jamais me incomodei com essas notícias porque, afinal, jamais tive um cão" - Trotski completa com ironia.
Esse episódio se conta a propósito das informações publicadas a respeito do governador Aécio Neves, sobre estar a um passo, "quase entrando" no PMDB. Ele também não se incomoda porque, afinal, jamais considerou a hipótese...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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