"A verdade é filha do tempo e não da autoridade." Bertolt Brecht, dramaturgo alemão (1898-1956)
Houve um tempo em que uma pitada de verdade não fazia mal a ninguém. Hoje faz. Do jeito que a banda toca você não pode ousar falar nem uma meia-verdade. Nem um tiquinho, nada que possa ameaçar o circo da mentira que se instalou em nosso torrão.
Exagero na dose? Quisera. Aliás, como eu gostaria de estar errado. Mas infelizmente, na maioria das vezes, não estou. Principalmente porque vivo neste País tropical abandonado por Deus e hipócrita por natureza, que vileza.
Aqui, mais do que em qualquer outro rincão, a verdade dói. E dói tanto que o que mais se ouve nas esquinas, em atos e omissões, é o "me engana que eu gosto".
Você quer o quê? O Brasil não cresce na economia, mas na política dão nó em pingo d'água. E não é só na política, não. Teve poder, tem tudo. Do bom e do pior. E tudo muda a cada instante, ao gosto ou desgosto de quem dá as cartas.
Vige numa boa a jurisprudência de que toda verdade tem seu preço. Porque puseram você numa saia justa blindada. Você pensa que ouviu o galo cantar, mas nem isso. Antes você não sabia onde. Agora, nem as galinhas, porque puseram as raposas para tomar conta dos galinheiros.
Recorrendo a metáforas
Metáforas? Sim, como nos tempos da censura sem pudor. Agora, tudo é por baixo do pano. Eles têm o controle do seu hipotálamo, da sua hipófise. Operam sobre sua memória, devidamente miniaturizada. Como falou o velho mudo, está tudo dominado. Vale o escrito hoje. Jornal de ontem já não serve nem para embrulho.
É perigoso querer destoar. Ou te mandam calar a boca ou te mandam para o olho da rua. Foi o que me ensinou o meu filho, jornalista que nem eu, mas que passou por uma faculdade (sou do tempo em que escrever era vocação) e ainda faz ginástica na capital federal, o centro do furacão, onde quem bobeia dança e não consegue mais dar a volta por cima.
- Nunca deixem que saibam que você sabe. Pega leve, banca o bobo, deixa que pensem que você só leu os manuais da redação. Passar disso é dar murro em ponta de faca.
Paul Joseph Goebbels, o marqueteiro do Führer, não inventou a roda quando disse que uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Aqui, aliás, basta repetir uma meia dúzia de vezes, sobretudo se for pela televisão, essa máquina plenipotenciária de embaralhar os cérebros seriados.
O trágico é o tamanho do estrago. Antes, a mentira ficava na paróquia. Hoje, com toda essa parafernália cibernética, pega a aldeia global num piscar d'olhos.
Para assaltar o Iraque de olho no petróleo que ainda não estava à flor da terra, mister Danger - batizado George WALKER Bush - convenceu a você e a meio mundo que Saddam Hussein desenvolvia um programa de armas químicas e biológicas. Você pegou pilha e ficou na sua, achando que aquela agressão era para a salvação da civilização ocidental e cristã.
Meteram bala, vasculharam casa por casa e nem um papelote de urânio. Em compensação, o mentiroso mais perigoso do mundo fez a festa dos fabricantes de armas e das empresas petrolíferas, para as quais presta relevantes serviços, pagos a peso de ouro.
Agora, por conta dessa mentirada toda que não toca seu cérebro programado para ver inimigos ali do lado, junto à fronteira, o cidadão-contribuinte norte-americano vai pagar uma baita conta. Os gastos militares dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão já beiram o trilhão de dólares, superando a conta paga na fracassada guerra do Vietnã.
Enquanto isso, a indústria bélica vai esquentando as turbinas pelo lado de cá, com a mudança no mapa político da América Latina. E não é para menos: John Negroponte, o monitor da política externa norte-americana (a Condoleezza Rice é uma piada) está mexendo seus pauzinhos na formatação de um novo monstro, o moreno peitudo contra o qual se alça o próprio racismo inconsciente da América branca.
Mas a exploração da ausência do apreço pela verdade não é exclusiva das manobras internacionais. Até num microcosmo do poder, trabalha-se com as ferramentas mais sofisticadas para impingir o triunfo da mentira, a destruição das últimas pedras da dignidade.
Medo de dizer
Há todo tipo de moeda na praça, da pecúnia sonante à exploração da maldita vaidade humana. Quanto mais inacessível for o antro da decisão, a maiores riscos estão expostos os simples cidadãos. Certas coisas eu não quero nem falar hoje, mas, decididamente, o alcance da impostura institucionalizada é uma questão de mercado.
Como você está confinado num cárcere privado e de nada sabe por inteiro, sou forçado a dizer, com todas as letras, que não sinto diferença no clima que respiro hoje em relação àqueles anos que me valeram cadeia que só lamentam da boca para fora.
Eu particularmente escrevo com medo porque superpuseram a lei dos danos morais sobre a lei de imprensa, submetendo a liberdade de expressão a uma peça morta, escondida na teia de uma Constituição fragilizada e vilipendiada todos os dias.
Eu bem que queria dar um grito que está parado no ar. Mas se eu for além das quatro linhas, vou ficar no prejuízo. Já fui condenado num juizado especial a pagar uma indenização de danos morais para o sujeito que queria falar numa manifestação organizada por mim e eu não permiti.
E você enche a boca para falar mal de outros países, cheio de ilusões sobre a idéia de que vivemos num democrático mar de rosas. O único problema, para você, é a paranóia que os amontoados de miseráveis lhe causa.
Daí essa violência de Estado que extrapola os limites da razoabilidade. A pretexto de nos garantir segurança, que não percebemos nem como sensação, estão fazendo por aqui a nossa própria guerra, sem considerar, pelo menos, a Convenção de Genebra.
Se eu remexer nisso, você, que já sai de casa com um pé atrás e com medo da própria sombra, vai achar que estou do outro lado.
Enquanto isso, a crônica dos nossos dias vai ficando cada vez mais turva, pelo menos para mim. Eu já não sei se calo a boca ou se ponho a boca no mundo, até porque esses poderes têm ouvidos moucos enquanto a opinião pública virou uma mera repetidora das microondas de uma mídia pautada pelo mercado, o que dá ibope, o que repercute ou entra mais fácil nas nossas caixolas descuidadas.
PS - Esta coluna foi publicada na TRIBUNA DA IMPRENSA de 16 de novembro de 2007. Durante o "feriadão" do Carnaval, dediquei-me à leitura de muitas coisas, inclusive alguns dos meus escritos. Daí a idéia de republicá-la, por sua atualidade.
coluna@pedroporfirio.com
Fonte: tribuna da Imprensa
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