Carlos Chagas
BRASÍLIA - Continua valendo a máxima utilizada há décadas por mestre Hélio Fernandes: no Brasil, o dia seguinte sempre consegue ficar um pouquinho pior do que a véspera. Sem mecanismos e, em especial, sem vontade política para impedir a cascata de demissões em massa que assola o País desde novembro, o governo deixa escapar para a imprensa a disposição de facilitar acordos coletivos capazes de reduzir jornadas de trabalho e salários. Tem horas que o palácio do Planalto sustenta ser da exclusiva atribuição de patrões e empregados o diálogo e as decisões sobre suas relações. De vez em quando, porém, muda de camisa e reivindica o papel de agente regulador dos entendimentos. O problema é que sempre atua, o governo, em favor da guilhotina, jamais do pescoço, isto é, cedendo sempre às imposições do capital contra o trabalho.
Por que estimular a redução de salários e da jornada diária ou semanal se fica evidente a maldade de obrigar um trabalhador a sobreviver com menos do que a merreca recebida no mês anterior? E o que adianta reduzir as horas de trabalho se a sombra do desemprego atinge sua própria atividade atual, quanto mais o sonho de usar o tempo livre em outro emprego?
Mas tem mais. Desde que a crise começou, apenas o ministro do Trabalho levantou-se em defesa da obrigação de bancos e grandes empresas comprometerem-se a não demitir, quando usufruem planos e programas de doação de bilhões de reais do Tesouro a título de recuperação de seus próprios erros e de sua ambição desmedida - causas do caos que hoje domina a economia. Sobre essa contrapartida, nem uma palavra oficial, a não ser que se considere como tal o pito passado em Carlos Lupi pelo presidente Lula.
Do jeito que as coisas vão, logo o governo dito dos trabalhadores mostrar-se-á simpático também a outras propostas em gestação adiantada nas cúpulas do empresariado: a extinção do décimo-terceiro salário, das férias remuneradas e das indenizações por demissão sem justa causa. Logo chegarão à revogação da Lei Áurea.
Para boi dormir
Ninguém entendeu a iniciativa dos ministros José Múcio e Tarso Genro de entregar aos presidentes da Câmara e do Senado sete propostas de projeto de lei e uma de emenda constitucional estabelecendo a reforma política fatiada. Primeiro porque já tramitam ou dormem nas gavetas do Congresso iniciativas parecidas. Depois porque batem na mesma tecla, de obter a extinção dos pequenos partidos e de favorecer as cúpulas partidárias. Tome-se a votação apenas nas siglas, nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador. O eleitor não votaria mais no seu candidato preferido, mas no partido. Os caciques preparariam as listas, obviamente que se colocando nos primeiros lugares, garantindo a vitória até sem fazer campanha, enquanto a renovação ganharia a estratosfera. Os jovens, os mais novos, aqueles sem tradição partidária iriam para o fim da fila, ou seja, ainda contribuiriam com seus votos para a eleição dos velhos.
Na proposta oficial sobressaem outras aberrações, como a cláusula de barreira e o financiamento público das campanhas. Em vez de estabelecer punições imediatas para quem se utilizar do poder econômico para eleger-se, sugerem a distribuição de recursos públicos para os candidatos através dos dirigentes partidários. Será aquela divisão que o leão fez da carcaça da zebra entre seus amigos, a hiena e a raposa. A maior parte, ou até a parte inteira, para ele. Acresce que num período de crise onde recursos públicos são destinados para salvar bancos e empresas falidas, onde falta dinheiro para escolas, hospitais e estradas, como justificar sua existência para a eleição de políticos? Mais um argumento, apenas: o financiamento público impedirá gastos por debaixo do pano?
Pobres prefeitos
Qual o saldo da reunião de quase 4 mil prefeitos em Brasília, ontem e anteontem? Os que não conheciam, conheceram a capital federal. Os que jamais usaram terno e gravata obrigaram-se a tanto. Os que ainda não haviam visto o presidente Lula ao vivo deliciaram-se, mesmo de longe, com os improvisos do companheiro-mor e suas diatribes permanentes contra a imprensa. Ainda tiveram direito a ver de perto a mãe do PAC, Dilma Rousseff, mesmo em certos períodos sonolenta e desinteressada.
É claro que os prefeitos também souberam que as dívidas de seus municípios com o INSS serão esticadas por vinte anos e que as obras do PAC continuarão, mesmo à custa de batons e de manicures.
Valeu a pena terem os alcaides enfrentado filas de até três horas para ingressar no auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, expostos a um sol de rachar entremeado com chuvas para ninguém botar defeito? Poderiam ter tomado conhecimento dessas boas novas pelos jornais, o rádio ou a televisão. De qualquer forma, chegando a partir de hoje em suas cidades, não haverá um só que deixe de alardear aos eleitores haver trocado impressões com o presidente Lula e seus ministros, sendo que o chefe do governo até perguntou pela saúde de dona Maria e seus pimpolhos, não deixando de cumprimentá-lo pela já iniciada recuperação do posto de saúde.
Dupla dinâmica
Importa menos saber quem é o Batman e quem é o Robin, mas a verdade é que José Sarney e Michel Temer agem como nova dupla dinâmica na defesa das prerrogativas parlamentares. Acertaram trocar informações e ideias permanentes sobre a pauta diária dos trabalhos em cada casa do Congresso. Mais ainda, selecionarão o que deve ser votado na Câmara e no Senado, prioritariamente, para evitar a superposição de tarefas. Lutarão também contra o inimigo maior, as medidas provisórias, ignorando-se apenas se elas vestem o fraque do Pinguim ou a fantasia do Charada. Pode ser que dê certo, mas desde que tenham aposentado o Alfred, pois corre em Brasília que ele mudou de lado e, para substituir a Batcaverna, construiu um castelo de 36 suítes, oito torres, vinte salas de jantar e piscina com cascata...
Fonte: Tribuna da Imprensa
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