Edson Luiz
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), revelou ao Correio que autoridades do estado foram novamente ameaçadas de morte pelo crime organizado, cujas ramificações são tão enraizadas que chegam a setores do Judiciário, conforme a investigação que resultou na Operação Naufrágio*, desencadeada na semana passada pela Polícia Federal, que flagrou a venda de sentenças por magistrados. Segundo Hartung, estariam ameaçados de morte o secretário de Segurança Pública, delegado federal Rodney Miranda, e o juiz da Vara de Execuções Criminais de Vitória, Carlos Eduardo Lemos. Os dois foram os principais responsáveis pelas investigações que levaram à prisão o coronel da Polícia Militar Walter Gomes Ferreira, apontado como um dos mandantes do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. O magistrado, que também atuava nas apurações, foi morto em março de 2003. Ferreira foi solto na semana passada.
"Nós temos militantes dos direitos humanos que denunciaram o crime organizado e autoridades estaduais que estão novamente sob ameaças, o que é previsível quando criminosos estão sendo libertados por falhas de tramitação de processos no Judiciário. Por isso, avaliamos como muito positivo o que está acontecendo aqui na Justiça do Espírito Santo, que vive a sua maior crise, mas começa a ser reestruturada", disse Hartung, nesta entrevista ao Correio. O atual governador capixaba assumiu o Executivo em 2003, quando já estava em andamento uma grande ação do governo federal de combate à criminalidade no Espírito Santo.
Autoridades na mira do crime
Como o senhor avalia a operação da Polícia Federal que levou à prisão três desembargadores e um juiz, além de outras pessoas envolvidas na venda de sentenças judiciais?
Estamos acompanhando esta nova operação com muito entusiasmo. Ela conta com apoio da sociedade capixaba, das organizações da sociedade civil e das autoridades constituídas do estado. Na verdade, estamos fechando um ciclo de renovação das instituições. Como era a nossa história? Até 2002, quando houve o processo eleitoral e me elegi pela primeira vez, ficamos quase uma década com o estado mergulhado no desvio, em práticas de corrupção e chegando ao absurdo de autoridades constituídas, nas várias instituições, estarem envolvidas em práticas criminosas. Contando com apoio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da Igreja, sociedade civil, além de novas lideranças políticas, do empresariado, e da força mandada de Brasília para o Espírito Santo, integrada pelo Ministério Público e a Polícia Federal, conseguimos limpar o Executivo -poderia usar essa expressão - e fazer uma extraordinária renovação na postura da Assembléia Legislativa. A mudança veio com a derrota do esquema tradicional que tinha dominado a Assembléia durante quase dez anos.
Ao mesmo tempo que o senhor fala que fecha um ciclo, pessoas suspeitas de crimes estão livres. Isso não é um retrocesso?
Foram colocadas em liberdade por uma falha da Justiça capixaba. Os processos não conseguiram chegar a bom termo nas varas por onde tramitam. Ou seja, não conseguiram chegar ao julgamento para dizer se é culpado ou inocente. É por isso que esta intervenção criou uma oportunidade de renovação, de crescimento. A decisão dos desembargadores de fazer uma revisão de todas as áreas onde tramitam este processo é um sinal que o Tribunal de Justiça do estado, diante do que aconteceu com seu antigo presidente, está disposto a cortar na própria carne e fazer as modificações que precisarem ser feitas.
Autoridades que combatem o crime organizado estão correndo risco com essa situação?
Você tem autoridades e militantes da área dos direitos humanos que tiveram coragem de enfrentar o crime organizado, correram risco de vida, mas estão sendo vitoriosos. Me preocupa a segurança dessas pessoas. Nós temos militantes dos direitos humanos que denunciaram o crime organizado e autoridades estaduais (o juiz Carlos Eduardo Lemos e o secretário Rodney Miranda) que estão novamente sob ameaças. Por isso, avaliamos como muito positivo o que está acontecendo aqui na Justiça do Espírito Santo, que vive a sua maior crise, mas começa a ser reestruturada.
Que medidas foram tomadas até agora?
Vejo as instituições como mais importantes do que seus ocupantes, sejam eles eleitos, nomeados ou concursados. Eu acho que essa operação vai ajudar o Espírito Santo. Você olha o país de forma equilibrada, sem querer estigmatizar nenhum estado, nenhuma região, um olhar de forma correta e justa, e vai encontrar problemas nas instituições de todos os estados federados. Há desvios de conduta em todo canto. O difícil é ter a determinação e a coragem de fazer a reestruturação das instituições. E isso estamos vendo presente no estado. A sociedade deseja essa reestruturação, em busca de um padrão ético entre o publico e o privado. Estamos dando um passo à frente. Podemos ser o exemplo de outro paradigma se formos capazes de superar as mazelas e desvios de condutas de autoridades.
Se houver necessidade, o senhor recorrerá ao governo federal para formação de outra força tarefa?
Sem nenhum problema, se houver necessidade. Hoje estamos muito mais estruturados do que em 2001 e 2002, mas a força especial foi um fato muito positivo. No governo FHC chegou a haver uma discussão sobre se era melhor a intervenção, mas a opção pela força especial deu resultados. O estado queria ser passado a limpo. Esse é o ambiente por aqui até hoje. Vamos ter novos avanços dessa operação no Judiciário.
Quais foram as medidas tomadas até agora?
Várias medidas foram adotadas, mas queria ressaltar a mais importante. Há muitos anos a OAB luta para que os concursos do Judiciário sejam feitos e organizados por instituições externas. Essa agora, finalmente, foi tomada pelo Tribunal de Justiça. Essa medida é muito importante para oxigenar a Justiça capixaba. Os próprios processos que ficaram engavetados estão sendo analisados. A crise gerou uma oportunidade de renovação do Judiciário capixaba. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça vai se pronunciar sobre o caso. Uma operação como essa joga energia na renovação das instituições capixabas. É um choque ético no Judiciário que provocará um novo avanço institucional.
* Na semana passada, a Polícia Federal, atendendo solicitação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prendeu três desembargadores, um juiz, dois advogados e a funcionária do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Entre os detidos na Operação Naufrágio, estava o presidente da Corte, Frederico Pimentel, e seu filho. A investigação começou em abril, depois de outra ação da PF que desvendou um esquema de fraudes em importação de carros de luxo. Os magistrados são acusados de venda de sentenças e irregularidades na realização de concursos para juízes. Todos foram libertados três dias depois, mas estão afastados do TJ-ES e devem responder a processos no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Fonte: Correio Braziliense (DF) -
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