Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Nada mais correto do que o mote criado décadas atrás por mestre Helio Fernandes: "No Brasil, o dia seguinte sempre consegue ficar um pouquinho pior do que a véspera". Qual a reação dos meios sindicalistas, depois da investida patronal liderada pelo presidente da Vale, Roger Agnelli, pela supressão "temporária" de direitos trabalhistas? Ele acaba de sugerir redução de salários, suspensão dos contratos de trabalho e afastamento de trabalhadores das empresas sem direito a indenização.
Nada mais, nada menos do que a adesão de diversos sindicatos e a inação das centrais sindicais diante da proposta. De quarta-feira em diante foram sendo registradas abomináveis concordâncias com o vergonhoso esbulho, tanto em São Paulo capital quanto na periferia e no interior. A Força Sindical reagiu retoricamente, mas sindicatos a ela filiados puxam a fila da rendição. Da CUT nada se ouviu, as outras também cruzaram os braços.
A pretexto de evitar demissões ditadas pela crise econômica internacional, o patronato aproveita para impor a redução permanente do que restava dos direitos trabalhistas. Pior ainda, contando com o apoio do governo de São Paulo, que já levou a sugestão ao Ministério do Trabalho, espera-se que sem o conhecimento do governador José Serra.
Em vez de mobilizar-se, reagir e valer-se dos instrumentos naturais de protesto e afirmação de seus direitos, as centrais sindicais rendem-se sem luta. Em outros tempos os operários estariam na rua, até mesmo apelando para a greve geral.
O que dizer do partido e do governo dos trabalhadores? Nada. Absolutamente nada. Discute-se, nos conciliábulos do poder, se as propostas do empresariado devem ou não tornar-se objeto de medida provisória. Sem qualquer iniciativa capaz de garantir empregos e prerrogativas sociais, enquanto, no reverso da medalha, continuam sendo liberados bilhões para socorrer bancos e empresas postas em situação pré-falimentar por sua própria incúria e incapacidade de gestão.
O ovo da serpente
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou proposta do deputado João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, extinguindo a reeleição e ampliando para cinco anos os mandatos dos presidentes da República, governadores e prefeitos. Com a ressalva de que o mandato do presidente Lula não poderá ser prorrogado.
É bom prestar atenção, porque embutido nessa aparente melhoria institucional encontra-se o ovo da serpente. O presidente Lula não poderá valer-se de mais um ano de mandato, não haverá prorrogação, mas quem garante estar impedido de disputar o Palácio do Planalto, uma vez estabelecido o novo regime administrativo? Porque a partir de 2010 zeraria tudo. O apagador seria passado no quadro-negro. E o terceiro mandato seria consumado, dados os 73% de popularidade ostentados pelo chefe do governo...
Na contramaão da crise
Nos Estados Unidos, mais uma redução de juros, que agora oscilarão entre zero e 0,25%. No Japão já tinha sido assim. Na União Européia, coisa parecida. Enquanto isso, o Copom e o Banco Central mantiveram nossa taxa em 13,75%, rejeitando até mesmo a determinação do presidente Lula, pela redução imediata. A pergunta que se faz é simples: estarão eles de passo errado, apenas o Brasil marchando com o bumbo no pé direito?
Se os juros permanecem na estratosfera, fica evidente que o crédito se reduz e que as empresas passam a produzir menos, assim como a população também a comprar menos. Rebate a equipe econômica estar agindo assim para evitar a inflação. Pode haver lógica na recessão?
Deixando de lado a desobediência civil praticada por Henrique Meirelles e companhia, contestando o próprio presidente da República, fica a dúvida: quem anda na contramão da crise?
Enxurrada de vices
Admitindo-se apenas na teoria que não haverá terceiro mandato e que os candidatos à presidência da República são os que estão aí mesmo, salta aos olhos a movimentação lateral nos partidos e grupos políticos na disputa pela vice-presidência.
José Serra e Aécio Neves conseguem ficar unidos na condenação à chamada chapa-pura dos tucanos, ou seja, ambos afastam a hipótese de o governador paulista concorrer tendo o governador de Minas como companheiro de chapa. As vistas do PSDB voltam-se para o Nordeste. Serra bem que gostaria de ter o senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, como seu vice.
Já Dilma Rousseff, se conseguir decolar, aceitaria o governador fluminense, Sérgio Cabral, do PMDB, mas aguarda instruções futuras do presidente Lula. Nada de dispor de um companheiro na chapa, mas por que não Ciro Gomes, com a vantagem de provir do Nordeste?
Caso Aécio Neves consiga abrir espaços, preferido também seria Ciro Gomes, mas, na hipótese cada vez mais remota de candidatar-se pelo PMDB, gostaria de ter a companhia do senador Cristovam Buarque, do PT.
Multiplique-se esse caleidoscópio pelo infinito e se terá a receita de que a vice-presidência passa a constituir-se na segunda cobiça. Agora, e se vier o terceiro mandato? Claro que a pole-position ficará com o atual vice, José Alencar, mas no PMDB sobram postulantes.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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