por Gláucia Milicio
A Constituição não deixa margem para interpretação quando fixa que é vedada a cassação dos direitos políticos, salvo em casos de condenação criminal transitada em julgado. O entendimento é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.
No embate entre o princípio da presunção da inocência e o da moralidade pública provocado por ação da Associação dos Magistrados Brasileiros, Celso de Mello levantou a bandeira do primeiro. A AMB entrou com ação requerendo que o STF permita que a Justiça Eleitoral barre candidaturas de políticos que respondem a processos criminais ou que já tenham sido condenados, ainda que as condenações não sejam definitivas.
No julgamento da ADPF nesta quarta-feira (6/8), Celso de Mello ressaltou — em um voto de mais de 90 páginas — que a discussão, ainda que de interesse diretamente eleitoral, invoca alguns princípios de proteção da pessoa em face do Estado, do poder e que “não faz sentido considerar um candidato inelegível que ainda não foi condenado em caráter definitivo”.
De acordo com ele, a exigência da coisa julgada, que é justamente ao que se opõe a AMB, representa antes de mais nada um juízo de prudência que o próprio constituinte formulou e que o próprio legislador ordinário estabeleceu.
“Isso porque é tão grave a sanção que decorre de uma condenação transitada em julgado que ela afeta até a capacidade eleitoral do cidadão. Ela retira a pessoa do atributo da cidadania. Sendo assim, é razoável que se exija o transito em julgado para que se justifique tamanha restrição de um direito básico que é o de ser votado”, fundamentou.
Celso de Mello também reforçou que o cidadão tem prerrogativa de exigir candidatos íntegros e de governo honesto, já que o sistema Democrático e Republicano dá direito a plena informação da vida pregressa dos candidatos. Em contrapartida, disse que não se pode impedir que candidatos sejam considerados inelegíveis sem que suas possibilidades de recursos na Justiça tenham se esgotado. O ministro ressaltou que o prejuízo seria irreparável à vida desses candidatos.
“Os valores éticos devem pautar qualquer atividade no âmbito governamental. Somente os eleitores dispõem sobre o poder soberano de rejeitar candidatos desonestos, mas essa Corte não pode ignorar o principio da presunção de inocência”, afirmou Celso de Mello.
O parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, foi no sentido contrário. Para ele, o pedido da AMB deve ser considerado pelo Supremo. Antonio Fernando disse que a probidade e a moralidade devem refletir o modo de vida que o candidato escolheu. “São requisitos fundamentais para o exercício de um cargo eletivo”, sustentou,
Já o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, se manifestou pela improcedência da ação. Para ele, a proposta da AMB levaria a uma maior confusão jurídica, por trazer critérios subjetivos. Se a eleição fosse um concurso público, exemplificou Toffoli, “a banca examinadora desse concurso deve ser o colégio eleitoral. E não o Judiciário”.
O embate entre o princípio da presunção da inocência e a moralidade pública já teve alguns rounds tanto no Supremo quanto no Tribunal Superior Eleitoral. Quando do julgamento pelo TSE sobre o caso de Eurico Miranda, por exemplo, os ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso reconheceram a presunção da inocência em favor do então candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Carlos Ayres Britto votou contra a candidatura de Eurico Miranda. Ele votou com base no princípio da moralidade pública.
Na ocasião, Britto entendeu que os direitos políticos não são pessoais e pertencem à coletividade. Assim, deve-se levar em conta a idoneidade moral daquele que pretende representar a população, a exemplo de qualquer outro servidor público. Britto ressaltou que a Constituição jamais pretendeu “imunizar ou blindar candidatos sob contínua e numerosa persecutio criminis”.
A tese de que só é possível restringir direitos políticos com a condenação transitada em julgado, encabeçada pelo ministro Marco Aurélio, prevaleceu em 2006. Neste ano, o TSE voltou a analisar o caso. Na ocasião, os ministros Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa foram vencidos.
A Corte também já decidiu em outras oportunidades que não se pode extrair de um processo em andamento uma conseqüência negativa ao réu. O entendimento é o de que o fato de existirem inquéritos, ações e até condenações em primeira instância contra determinada pessoa, não significa necessariamente que ela é portadora de maus antecedentes.
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