Supremo ocupa espaço político e se torna mais vulnerável às críticas da sociedade
RUDOLFO LAGO
COMO NOS EUA Ministros do STF (Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio, da dir. para a esq.): temas constitucionais
A tarde da quarta-feira 6 estava quente e seca em Brasília. No Congresso, os presidentes do Senado e da Câmara, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), lutavam para garantir a presença de senadores e deputados à sessão, enquanto 76 projetos de lei e emendas constitucionais aguardavam na pauta. Nesse momento, o pulso político do País transferia-se para um outro prédio a apenas 300 metros dali: o Supremo Tribunal Federal decidia o futuro de centenas de candidatos que concorrem às eleições deste ano respondendo a processos na Justiça. Era no Supremo, e não no Congresso ou no Executivo, que ocorria o principal acontecimento político do dia. O Supremo tomou uma decisão polêmica. Nove de seus 11 ministros decidiram que políticos que respondem a processos – os chamados candidatos com “ficha suja” – não podem ser impedidos de disputar a eleição, contrariando o entendimento de alguns tribunais regionais e da Associação dos Magistrados do Brasil. No caso, prevaleceu na corte um dos grandes princípios da Constituição, que é o da presunção da inocência: o candidato não pode ser punido por um crime pelo qual ainda não foi julgado em última instância. Além da defesa do princípio constitucional, o julgamento embutiu outra característica das ações mais recentes do Supremo: suprir vácuos deixados pela atual lentidão do Poder Legislativo. O STF teve de decidir porque não havia uma norma legal clara sobre o tema.
Um dia depois, por dez votos a zero, a corte votou a favor da anulação do julgamento de um homem, identificado pelas siglas A.S.S., que fora condenado a 13 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado. A.S.S. alegava que o fato de ter permanecido algemado durante o seu julgamento havia lhe criado um constrangimento ilegal e influenciado o júri. Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello deu razão ao condenado, e foi acompanhado pelos demais ministros. O veredicto dado a A.S.S. vai valer para outros casos de abuso de autoridade.
Essas decisões podem não ser o que esperava a maioria da sociedade brasileira, mas elas configuram mais um capítulo do que o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, classifica como momento de protagonismo da Suprema Corte. Sinal dos tempos: na quinta-feira 7, uma carta com um pó desconhecido endereçada a ele, forçou a evacuação do prédio do STF. Minutos antes, o Supremo recebeu a segunda ameaça de bomba em um mês.
A evidência em que está o STF deriva de três aspectos. O primeiro é que a Constituição de 1988, que completa 20 anos, está prestes a se tornar a mais longeva do País. Chegou-se, assim, a uma situação em que, em vez de se pressionar para mudá-la, a discussão passou a se centrar em como aplicá-la. “É preciso se ter em mente que o STF ocupa, e ocupará cada vez mais, a condição de uma verdadeira terceira Câmara no Brasil, ao lado da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, avalia Gilmar Mendes. Depois de 1988, com a criação do Superior Tribunal de Justiça e com a obtenção de instrumentos que têm conseguido enxugar a sua pauta, o STF vai se tornando mais parecido com a Suprema Corte americana: um tribunal constitucional que discute apenas os grandes temas jurídicos. O segundo ponto é a alteração na forma de atuação do Supremo na avaliação de casos mais complexos e polêmicos, como a decisão tomada no semestre passado de aprovar as pesquisas com células-tronco embrionárias. O então relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, inovou ao fazer a primeira audiência pública da história do mais alto tribunal do País. O terceiro aspecto é a própria mudança de perfil da nova geração de ministros, que não têm o mesmo ar de personalidades inatingíveis. Hoje, os juízes namoram publicamente, citam poetas em suas sentenças e até escrevem livros eróticos.
Fonte: IstoÉ